Quando eu tava na faculdade, meu primeiro contato com o inglês na graduação em Letras foi uma atividade onde a gente falava da nossa experiência com o idioma, bem resumidamente, e depois de perceber que alguns tinham estudado em escolas de renome e viajado pra fora (enquanto outros fariam isso mais tarde, e não foi o meu caso), gravamos um vídeo sobre um tema específico. Isso foi lá em 2008, tempo de políticas de inclusão na universidade, programas sociais e domínio da revista Veja nos debates da sociedade brasileira. Era um texto curto, que eu mesmo tinha escrito, e leria olhando pra câmera. Como não tinha celular (ganharia de presente um Sony Ericsson Walkman naquele ano, além do meu primeiro emprego e um download do Labiata, do Lenine), meu grupo seguiu o conselho da professora Walkyria e procurou o departamento de vídeo da faculdade. Eles gravavam eventos acadêmicos com filmagem profissional. Preparou-se a sala de apresentações com o equipamento, cheguei no horário (um milagre) com o papelzinho na mão, luz, câmera e aquilo que já era esperado: tá gravando? Vai, começa de novo. Olhei pro papelzinho, o papelzinho olhou pra mim, e lembrei da primeira frase; mas, em seguida, fiz uma careta e desviei a atenção pra parede. Isso não se faz, colega. Mas tudo bem, ninguém aqui nasce sabendo. O papelzinho, amigo. Procura não olhar pra baixo. Depois corta. Não me lembro da ideia geral, mas deve ter sido algo do tipo: “English is spoken in several countries around the world, and people have different opinions and feelings about how well they perform”. O que vem depois? Na boa, não dá pra lembrar mais do que isso. E como se enfatiza essa mensagem? A entonação cumpre um papel? É legal usar gestos pra complementar a ideia? E as pausas, serão longas? E a sua própria aparência? Mais importante que tudo isso: o texto é claro, e faz sentido abordar o assunto dessa maneira, numa fala? No fim, meu amigo acabou gravando o vídeo no meu lugar. Foram pelo menos 15 tentativas, e fiquei nervoso demais, não sabendo como corrigir meus próprios erros. Desisti, principalmente porque julguei já ter passado vergonha demais. Um grande erro.
Quero falar sobre alguns aspectos dessa experiência. Primeiro, a tecnologia que usamos no contexto de aprendizagem, e como isso mudou. Segundo, a experiência do outro, e como o esforço em conectar pessoas tornou o processo mais dinâmico, ao tempo em que atenuou algumas diferenças. Terceiro, a categorização da nossa expressão, que hoje virou trabalho essencial, não apenas pra quem trabalha com idiomas ou estuda a comunicação. Depois disso, acho que a gente pode olhar um pouco pra essa ideia de que temos opiniões e sentimentos sobre a língua, e como isso se torna complexo no contexto global, principalmente quando se baseia num julgamento. Finalmente, quero falar sobre o que significa ser incapaz de completar uma tarefa, e as outras tarefas que surgem depois de uma primeira experiência. Tudo bem se ficar com preguiça de ler, tá? Como isso é normal e previsível, vamos por partes.
A tecnologia e nossos hábitos
Quando eu tinha 10 anos, a quarentena era todo dia e a realidade era a TV, o rádio e o videogame. Parece estranho pra muita gente, mas a playlist do Spotify era feita manualmente por uma pessoa que entendia de música e se informava constantemente sobre lançamentos, selecionava o mais relevante de acordo com critérios comerciais e críticas em veículos impressos, botava pra tocar na hora do almoço e todo mundo ouvia; mas a programação continuava. Posso até falar que gosto de podcasts, mas não penso muito no fato de que o que fazemos hoje é resultado de um acréscimo das informações de veículos digitais na cultura popular, com muitas exceções, mas que contribuíram pra democratização das mídias, no plural mesmo. Existia a MTV Brasil; na minha região, existia o Mar Games, e as bancas vendiam a Nintendo World e a Super Game Power; nem se pensava em TV digital, e o Jornal Naconal era o vetor das questões unânimes havia décadas. Hoje é possível acompanhar discussões com um clique na chamada e outro nos comentários, e se não buscamos um tipo de informação que altera nossos ânimos, muitos de nós assistimos a séries da Netflix, inclusive na TV inteligente, sabendo ou não que algumas delas tiveram direitos de reprodução comprados pela empresa, que briga com outros serviços do chamado streaming pra ter o melhor conteúdo e maior número de usuários. É claro, o entretenimento se diversificou, e pode-se perguntar qual o espaço dele na educação. Naquela época, os livros escolares ainda precisavam do complemento das bibliotecas. Não que isso tenha mudado radicalmente, abandonando-se os livros ou no sentido de nada precisar de um complemento: isso se tornou mais intenso, apesar de o detalhamento e a variedade disponíveis, principalmente se você lê em inglês e tem uma conta na Amazon, não se traduzir sempre em investimento, sem falar de assimilação ou mesmo consulta extensiva; o fato é que as enciclopédias que usávamos pro trabalho de biologia foram substituídas por biólogos que fazem vídeos no YouTube, por exemplo, ou em algum meme do Bob Esponja. Os games, como todos sabem, evoluíram da distração pro nicho cultural, mas isso depende da sua idade. Aliás, seria muito interessante comparar a evolução dos jogos de ação em primeira pessoa, como Goldeneye em 1997, para Skyrim em 2012; mas já se foram 8 anos, e a dinâmica mudou, para todos os gêneros. Por mais que pareça irrelevante, na cabeça de alguns pensadores, falar da importância desse processo de evolução tecnológica no contexto de aprendizagem é falar justamente do que nos acostumamos a lidar em termos de possibilidades e estratégias que formam nossos conceitos e a maneira que estruturamos nosso esforço cognitivo; mas, pra muitos, perceber que o cadeado de um portão abre à base da bala não tem nada a ver com educação. Eu não discordaria, mas o ponto é que as relações se tornaram muito mais complexas que isso, e esse universo da tentativa e do erro, da ação e da reação, da causa e da consequência, do planejamento anterior e da expressão posterior se transfere o tempo todo de um plano pra outro – aqui, os entusiastas do RPG provavelmente têm algo a dizer, mas nem todos pagariam pra ver uma banda tocar ao vivo músicas do Final Fantasy, como acontecia há 10 anos em eventos voltados a esse público. De qualquer forma, muito disso é produzido lá fora, e desde cedo entramos na questão cultural: se o início da nossa experiência com o lúdico e o imaginativo se dá por intermédio de uma indústria que foi estabelecida à distância, acompanhamos o desenvolvimento por completo ou terceirizamos toda a avaliação? Não me refiro às bonecas e aos ursos de pelúcia, mas a gente pode pensar nisso também. É claro que a minha geração lembra da importância do Glub Glub, Mundo da Lua, Castelo Rá Tim Bum, mas eu não vou defender nem Xuxa, nem Gugu ou Eliana, e por mais que me torne arrogante, sou uma pessoa com incrível senso de ridículo que pensa no futuro e está pronto para um belo tapa na orelha na próxima vez que ouvir que hoje vai ser uma festa. Brincadeira, claro. Antes que fuja do assunto: por que não animes japoneses? Particularmente, não consumo muito conteúdo coreano, mas Baby Shark veio de lá e eu achei genial. A questão é que fica difícil saber onde acaba um ciclo e começa outro. Tudo isso se confunde, mas tudo bem, pois enquanto consumidores e longe das etapas da produção criativa de público massificado, ainda não chegamos ao ponto de desenvolver uma análise criteriosa sobre a qualidade de determinados conteúdos – ou chegamos? Talvez o público não seja massificado, mas a produção seja, e peque em qualidade: se falamos de cultura e de internet, é possível que alguém pense no que se chamava de flooder antigamente, mas a vontade de aparecer às vezes pode ser exploração mesmo, ou pelo menos uma frustração com a irrelevância da produção que leva a crises de saúde, inclusive. O que eu observo é que existe uma preocupação sobre conteúdo, mas por mais que isso seja evidente no entendimento entre pais e educadores (gostaria muito que a língua não fizesse distinção de gênero), no período escolar, ainda é tudo muito vago, além de não haver muito diálogo concreto entre as partes. Outro dia, li um projeto de aula que dizia que, de acordo com a BNCC, o aluno deveria saber todas as propriedades do vlog aos 8 anos de idade. Na minha época, eu realmente só sabia que o cadeado abria com uma KF7. Talvez por isso tenha crescido com relativa estupidez, e não lido o Pequeno Príncipe, que estava guardado no armário do meu pai, dentre outros itens. Mas jogava desde os 9, peguei Agatha Christie na mão na mesma fase e li de fato o primeiro Harry Potter aos 11, na época do lançamento; minha prima, em compensação, teve a primeira conta no Instagram ainda na infância. Posso estar enganado, mas não vejo muita discussão sobre o YouTube Kids; o máximo que aconteceu foi a febre TikTok. E como se explica o que rolou com as mídias sociais de raiz, digamos? Recentemente, andei até a banca de jornal na esquina do condomínio vizinho e perguntei se tinham o Diário Oficial. Era publicado desde 1862; não desapareceu, mas deixou de ser impresso em 2017. As revistas continuam, mas os canais têm muito mais engajamento, o que chama a atenção da publicidade. E a própria publicidade, que já virou até série (Mad Men), além do escritório, que virou meme (The Office)? A rede social é título de filme; grandes nomes do debate pela privacidade também, além dos documentários, disponíveis a todos que pagam mensalidade ou conhecem alguém que paga. Se devemos pensar no plano maior, a telefonia passou de fixa pra móvel, ganhou funções interativas, plataformas foram criadas cruzando dados de usuários e hoje não faz nem sentido perguntar se alguém usa o que se denominou mídias sociais – o que importa é como usam. Mas perde-se a oportunidade de discutir o problema de que nem todos acompanham esse processo na educação: posso descobrir a importância de se preservar o meio ambiente em uma aula presencial, mas é só usar o aplicativo do Google no celular pra procurar declarações do ministério responsável no Twitter durante a fala do professor. E aí surgem questões: é relevante comentar os argumentos dos discursos de ativistas como Greta Thunberg na mídia, mas participar ativamente das discussões públicas, talvez de um grupo maior de defesa do ativismo, também tem relevância, principalmente porque ele sofre ataques, por decorrência lógica. E aí, como fica a questão do letramento midiático, esse termo chupinhado do inglês sem a menor vergonha na cara? Brian Solis já indicava lá em 2010: a rede se tornou de muitos pra muitos; o consumidor virou produtor. Mas é óbvio, não seja condescendente. O que a gente quer saber é como o Instagram sugere um usuário pra mim com um número aleatório, mostra fotos que acha que eu vou gostar, esconde quando quer, bloqueia mensagem se quiser falar com mais de 3 pessoas, escolhe 800 usuários que dão like na sua postagem por vinte reais, mas jura que não hackeou nenhuma democracia, magina. Não por isso! Se os robõs são espertos, editoras também; o problema é quando se ganha uma revista de graça mas se perde um emprego por postar numa máquina de dinheiro sobre o que alguém com dinheiro decide fazer com ele. Aliás, abraço pro octagenário suíço que manda no Brasil! Somos todos pela educação, desde que a escola seja sem partido. O presidente nem precisa dessas coisas do século passado, como coligação: é só ter uma KF7 mesmo. Nesse ponto, com o perdão que não lhe peço pela metáfora que existiria se não fosse real, a gente sabe que houve alguma análise da cultura digital pra que se fizessem lives e mais lives. Cedo demais pra falar do futuro do trabalho? A internet pratica o laissez faire ou a coisa é mais puxada pro panóptico mesmo? A comunicação hoje prioriza as predições antes inclusive da verdade, pois não temos jornalistas que associem o preço negativo do barril de petróleo com as carreatas a favor do relaxamento das restrições de aglomerações, mas se for possível colocar o clickbait da matéria num vídeo do Brasil Paralelo, tá feito o negócio. E quem disse que não se fala de negócios quando se fala de mídia? Empresas pagam muito caro pelo espaço, há muito tempo. Há 5 anos atrás, alguém comentou: it’s 2015 and you don’t have adblock? É válido pensar em como se desenvolve a experiência virtual de grupos diferentes, e digo isso abrindo mão de alguns argumentos sobre privacidade, que podem se traduzir em egoísmo, ilusões de grandiosidade e falta de compreensão; no entanto, a frase indica que nem todos acessam os veículos da mídia fora dos aplicativos, onde geralmente se pede por dados para ter uma inscrição via e-mail e valores que chegam a até 1 dólar ao mês por conteúdo de altíssima qualidade. Se quiser entrar nessa, que saiba o que está fazendo. Conto um caso: quando comecei a acessar o UOL, passei a achar que o universo realmente estava online, criança que sou em espírito, a cada dia cantarolando uma música da infância diferente, do tema de Aztec ao hit de 96 “Ô Milla”, que tocava no intervalo e deveria ser o meu escape do menino que me batia na primeira série, mas acabou por me tornar um artista frustrado que encarna o mal gosto e diz que é de propósito. Mas aí lembrei da minha avó, nascida no ano em que Freud publicaria uma teoria que contrastava o desejo individual com o conceito de cultura, que é coletivo. Teimoso, continuei pensando em mídia. Pensei que estava me informando, pela primeira vez, pela mídia local e não a estrangeira, mas só via constantes notificações dos prêmios da Mega Sena; demorei a perceber que o conteúdo é extenso, e veículos de mídia precisam ser acessados sem que se pense, como virou costume, que as notícias estão realmente acontecendo em tempo real – pode funcionar para os seus 5 mil amigos no insta, mas o mundo não gira nem em torno de você nem deles, pode ficar tranquilo. Precisamos lembrar que a mídia se transformou, mas ir além do reconhecimento trivial e carente de honestidade (e daí que não tinha celular?) pra pensar tanto o que vem daqui pra frente como o quanto fomos influenciados, em grupos distintos, pelas transformações das últimas décadas. Isso inclui educação, como se indica nos modelos de aprendizado a qualquer hora e lugar, mas também a economia, a cultura e o trabalho. A pergunta que fica é: eu sabia de tudo isso quando olhava pra câmera, com meus 18 aninhos e meus três pêlos na cara? É claro que não. Mas o mundo se voltaria pra produção de vídeo na internet como o verificador de autenticidade, talvez não nos grandes acontecimentos, mas na interação, no registro e na defesa de seus ideais. Ainda não pensamos em fazer isso em outra língua, aqui no Brasil. Mas eu encontrei esse caminho e devo dizer que, apesar das implicações negativas, as boas possibilidades não se comparam.
Diversidade e interatividade
Quando me vi à frente da câmera, foi inevitável pensar naquele contexto que a gente cresceu acostumado – menos os que desligavam a TV pra ouvir música – onde a notícia era transmitida ao vivo e todos assistiam. Continua do mesmo jeito, mas existe toda uma cultura paralela onde a influência se dissipa e se defende que seja o máximo possível. Brincamos com a noção de autenticidade; exploramos o fato, o discurso e a contradição; pode ser que defendamos o indefensável, mas ainda contamos com colaboradores e vigilantes da hermenêutica. Nem tanto, vai: a gente só sabe que sempre tem um maluquinho que passa dos limites. E na boa: todo mundo tem um pouco de loucura. Mas novamente: nem tanto. O contexto que se criou nos últimos anos, ou tentou se criar, é o de conexão do pessoal com o virtual. É importante lembrar da raiz das palavrinhas: quem se conecta é a pessoa. Mas, por algum acaso, foi cunhado o termo rede social, sendo que a maioria se sente bastante sozinha, não conta com a companhia dos próximos e não sabe nem se defender caso seja essa a necessidade – contra a segregação, o complexo de inferioridade, os eventuais conflitos de interesse e opinião, mas também os ataques pessoais ramificados e detalhados, além das demandas naturais da sociedade e da família. É uma forma de ver as coisas, claro; existe uma série de interpretações, inclusive aquela que quase denuncia o egoísmo ou auto-centrismo do usuário, mais uma denominação alternativa pra pessoa humana. E retomo a outra questão, não pra lhe deixar confuso, muito menos pra pagar de filósofo: gostaria muito que a língua não fizesse distinção de gênero, haja vista a experiência feminina da internet em comparação à masculina. Pois bem, estamos conhectados aos bilhões. As pesquisas já indicam que o número de dispositivos superou o de pessoas; por isso insisto na questão da relativa desumanização que o virtual pode gerar. Nesse sentido, sou relutante mas cuidadoso ao usar o termo, talvez por ser linguista e não advogado: os termos de usuário do Twitter basicamente indicam que chamar alguém de “anta” configura desumanização; eu já sou uma pessoa que aceita a crítica, sabendo que erro na vida e devo aprender com isso; mas quando digo relativa, penso mais no efeito da crise de relevância e a ideia de que somos apenas mais um. Isso precisa ser solucionado. É importante que falemos bem das pessoas que nos fazem bem; mas, fora das relações pessoais, parece que o conceito de cidadania ou mesmo de ativismo está sendo confundido o tempo todo com indignação e revolta, pra não dizer ofensa. Entenderam errado. Devemos apontar soluções, devemos apoiar uns aos outros, e para além da competição acerca das melhores mentes e ideias, nos destacaríamos pela habilidade em identificar diferenças sem preconceitos, pra falar de outra raiz de palavra importante. Traduzindo tudo isso de uma maneira que seja mais clara e possibilite o debate: não gostei de uma música? Vou fazer uma música melhor do que essa. E olha, muitos colocariam o ponto final da discussão aqui, mas é claro que não é isso que acontece na maioria dos casos. Além da falta de curiosidade sobre o processo criativo, existe hoje uma defasagem do conceito de fala pública, que tantas vezes parece apostar na divisão e não se preocupar com repercussões. Isso renderia teses, mas eu pelo menos me vejo como o acadêmico preguiçoso que ainda não foi atrás delas. Faça um exercício: pense no bebê nas redes sociais. Postaria: “tô com fome!” Imagine os haters, que provavelmente iriam ao ponto de aconselhar uma leitura sobre os meios de produção antes de vociferar tamanha petulância. É claro, isso não se aplica a todas as falas públicas, mas a que importa, pode acreditar, é a nossa. Imagino que quem lê esse texto saiba que as necessidades não precisam ser destacadas ou observadas o tempo todo, e é esse o ponto da discussão, mas em muitos outros casos, precisam sim, lógico que precisam. E talvez uma delas tenha sido a necessidade de se conectar pessoas e interesses de maneira remota. A língua ainda é um obstáculo, mas como dizem por aí, só na sua opinião. Muitos julgam não precisar do inglês, e quem sou eu pra questionar isso, principalmete confrontado com o fato de tantos americanos, britânicos ou australianos não conseguirem identificar as nuances da minha língua materna? O que torna a discussão mais complexa é que, nesse sentido do que é acessível ou não, existem reações e percepções do outro que não estão exatamente claras; mas ainda temos uma curiosidade sobre as línguas, sobre o modo de viver, sobre os autores ou artistas, sobre a organização de grupos da sociedade e as particularidades enfim de falantes de outras línguas. E não cabe a demonização das redes sociais como espectro de influência do imperialismo; essa noção é falsa, pois existe uma plataforma e os usos locais da plataforma; existem outras alternativas, e ainda estamos num processo de descoberta. Só não podemos esquecer de que um princípio básico da vida em sociedade é a dignidade humana, e precisamos de esforços para que isso seja disseminado pelo senso comum e pelos órgãos responsáveis, que enxerguem nos desejos de expressão de quem participa das redes a intenção de tornar a vida mais agradável a cada momento, apesar das dificuldades. Mas voltando à questão da câmera: pude expressar isso quando tentei falar sobre a performance do falante? Não, nem sabia de muito disso que acabei de mencionar. E convém observar que não foi muito através do vídeo que aprendi boa parte desses conceitos (ênfase na questão da dignidade), mas através de conexões complexas com várias partes do mundo – o que pode vir a ser um problema se não há esforço para assimilar, compreender e mudar boa parte de seus hábitos e discurso.
Os fins específicos
Talvez a experiência na faculdade tenha sido mais uma questão de fazer uma ponte entre o linguístico e o extra linguístico. É claro que as questões gramaticais, de vocabulário, prosódia e pronúncia seriam abordadas, mas também conceitos como confiança ao falar, dificuldades em ser avaliado, planejamento, postura. Se procuramos entender o que jornalistas dizem na TV estrangeira, é claro que não estamos julgando a aparência de uma pessoa. No entanto, as palavras não são facilmente associáveis. Muitas vezes, algumas delas desencadeiam pensamentos completamente desconectados do todo, numa espécie de livre associação paradidática: entendi Sunday; o que vou fazer no domingo? E o foco de atenção se perde, até que se olha novamente pra TV, e parece que o assunto já é outro, mas notamos uma expressão facial diferente, e focamos nela, não na linearidade do argumento apresentado, nos nomes mencionados, nos fatos e nas soluções dos problemas abordados. Experimente voltar pra programação normal. Tédio completo, ou então o comentário de um familiar. É claro, criatura. É outro país. Mas e o conhecimento que existe em outra língua e não está disponível na sua? Lembro de ter lido um conto da Virginia Woolf, que abre uma obra chamada Monday or Tuesday, e achar que se tratava de uma descrição da procura de um amor, quando críticos classificam como suspense e as referências são mórbidas. Talvez tenha achado a estrutura bonita, as palavras bem ajustadas, gostado de ler descrições que fugiam à normalidade; mas não entendi a essência. O mesmo acontece com a música: até hoje, perco o fio condutor de uma letra, quando quem vive a vida falando aquela língua tem sempre uma primeira impressão, e não precisa olhar pra tela (ou pro encarte) pra descobrir o significado, apesar de isso ser discutível. Nos trabalhos acadêmicos, o importante é saber a relevância do tema e a estruturação das bases teóricas, com argumentos de consenso ou conflito, acrescentados de uma perspectiva sua e uma conclusão que aponta um caminho. Geralmente é assim; mas quantos fazem um recorte ou deixam de explorar o que é citado? Sou um desses, inclusive. Tudo tem teoria e prática; o impportante é saber que ambas são passíveis de mudança, e isso segue movimentos. Existe a prática das mídias (inclusive as sociais), existe a arte e existe quem se dedica mais fielmente à análise crítica. Se a sua finalidade for só conhecer alguém, trocar ideia, falar das coisas que acontecem durante o dia, mandar um link e basicamente ficar de boa, nem se preocupe com a CNN. Mas na comunicação existem analistas, e o mundo parece, se não for uma tendência geral, ao menos dispor de ferramentas pra mapear como se fala e com quais motivos, por razões que pode ser muito cedo pra discutir, dependendo do seu posicionamento.
How does it sound to you?
Uma coisa essencial de se lembrar no aprendizado em segunda língua é que personagens não falam com você. Talvez eu seja suspeito pra falar dos músicos, mas não é nenhum pessimismo: eles sabem que o público não entende da mesma maneira se não nasceu falando a língua deles. Novamente, a distinção de gênero vem à tona, mas dessa vez com certo propósito: a presença feminina na indústria musical é marcada por discussões sobre imagem, tradição, expectativas e outras questões que merecem uma postagem dedicada a um maior aprofundamento; adianto que acredito no empoderamento feminino, e não tenho problemas pra falar da minha sexualidade até que alguém acredite que a minha sexualidade é um problema. É difícil, inclusive, cumprir uma função tradicionalmente feminina, na sala de aula; no idioma estrangeiro, é de um desconforto enorme verificar a cada momento que a sua postura, o som da sua voz, a sua escolha de palavras, a sua clareza, dicção, seus exemplos, suas referências e inclusive a maneira como você conversa na vida pessoal e supostamente privada é passível de avaliação neste viés específico, por parte do empregador e por parte de um público imaginado. Mas não conto nenhum caso; prefiro refletir sobre a importância de outros temas. Por exemplo, o fato de que quando falantes nativos (no inglês, diga-se de passagem, não há distinção de gênero em artigos ou adjetivos, e é a última vez que falo sobre isso) fazem uma espécie de simplificação da fala: falam devagar, cortam palavras que julgam ser muito difíceis, evitam referências muito localizadas, enfatizam demais, muitas vezes acham que você não entendeu nada e agem como se isso já fosse esperado, ao invés de perguntar se você entendeu ou falar de uma outra maneira, sem continuar a conversa por desistir da interação, e claro, sempre julgam o seu sotaque. Alguns podem elogiar o seu inglês. Poucas coisas são mais irritantes, com o perdão da honestidade. Pessoalmente, passou a ser mais frustrante do que irritante; mas essa frustraçãoa apesar de existir do outro lado, é minha também, pois me cobro, falho muitas vezes, e tenho que aceitar que falo uma versão do idioma, além de ter uma versão da realidade, tema que já abordei em outras oportunidades. Um anúncio que vi recentemente falava “can you I-MA-GINE? If someone spoke to you? Like this?” E o legal é que muitos não notariam a pronúncia da primeira vogal, mas saberiam, é claro, que se trata de uma espécie de preconceito linguístico. Eu acredito que não se deve subestimar as pessoas que querem aprender. Mas existe uma diferença entre aprender uma trivialidade gramatical e participar ativamente da sociedade no contexto estrangeiro: o nome disso é imigração, e essa discussão, senhoras e senhores, vai longe. O ponto importante de se lembrar, no entanto, é que os Estados Unidos é um país com muitos imigrantes, e enquanto certas atitudes foram naturalizadas no sentido da aceitação do outro, há defensores de teorias como “they’re taking our jobs”. Prefiro não tomar partido nesse caso, por uma questão ética. Mas você está livre pra formar sua opinião com base em dados estatísticos. Em muitos países europeus, o ensino bilíngue já avançou bastante, outro ponto importante de destacar. Se você vai achar mais prazeroso, no curso das suas interações, trocar uma ideia com alguém da Europa que fale duas línguas ou invés de alguém que fale uma só, isso vai depender da pessoa, é claro. Só isso que eu digo. O resto é individual. A supercorreção tem algum benefício e vários malefícios, mas alguns deles vêm de você mesmo. O importante é se comunicar e gostar de falar com alguém. Já na sala de aula, a história é um pouquinho diferente, mas não é um post sobre a sala de aula.
Teacher, I’m stuck!
Sai daí, menino, como já diria o Costinha. O que é travar? Fundamentos filosóficos. Não, nada disso: a reformulação é uma característica essencial da conversação; se você quer se aprofundar nisso, procure referências na academia – se você tiver interesse, pode assistir ao professor Ataliba de Castilho explorando exatamente esse tema, dentre outras propriedades da fala, aqui; também vale assistir ao canal English Coach, num vídeo que vou deixar aqui. Pensar antes de falar é conselho de mãe; falar o que pensa é conselho de pai. Ou seria o contrário? De qualquer forma, ambos atuam e se reconfiguram, baseado em boas experiências e outras nem tanto. Existem níveis da fala, contextos de interação, veículos e formatos, além de conceitos básicos (mas que se mostram útil nos dias de hoje) do que se denomina variação linguística: a análise quantitativa e qualitativa. Nós operamos com esses conceitos o tempo todo, e vale a pena pensar sobre a aplicação deles nas diferentes situações em que produzimos linguagem, por mais que o termo seja mais geral (sim, galera, eu estudei linguística; por isso sou tão insuportável de ler e uso ponto e vírgula fazendo adendos).
A minha experiência com vídeo mudou um pouquinho. Sou uma pessoa que passou muito tempo em videochamadas, repito, e talvez por isso alguns estranhem um pouco a forma da escrita e critiquem o propósito. Mas acredito que você tem aqui bases pro seu estudo, entre alertas, dicas, materiais e reflexões com as quais você pode divergir. Tô ficando velho, mas é aquela história: quem não se comunica, se estrumbica (se você procurar a definição da palavra no dicionário Priberam e aprender quem disse isso, fico contente).