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Perspectivas: o que esperar do ensino médio

Em 2017, surgiu a Base Nacional Comum Curricular, um documento que buscava alinhar expectativas, demandas e projetos para o desenvolvimento de jovens em período escolar. É fácil de encontrar (todos conhecem o Google), mas os objetivos parecem difíceis de se alcançar, além de a preparação de professores ser completamente autônoma — e, diga-se de passagem, não-remunerada; isso quando são contratados com carteira assinada. Nesse cenário, e com todos os outros que as conexões da vida digital oferece (sem nunca esquecer das críticas), como aplicar uma atualização de temas abordados a fim de preparar jovens para o mundo, não somente para o mercado de trabalho? Propostas como a BNCC lançam previsões sobre a capacidade de pensar a sociedade criticamente e com responsabilidade; na prática, desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero ditam a regra das interações e da vida de jovens a também jovens adultos, com matrículas recentes em faculdades, públicas ou privadas. Quais seriam alguns dos pontos em que jovens deveriam se sair bem, mas não é o que encontramos quando analisamos com critério sua desenvoltura, e não apenas o desenvolvimento baseado em pontuações e notas de prova, em contato com o mundo remoto ou nas proximidades?

1) Tolerância

Jovens aderiram desde sempre à cultura da zoeira. Chame de “trollagem” se quiser, ou aplique termos como assédio e difamação se tiver pais muito preocupados com a sua visibilidade. Nada é muito sério, e isso pode ser bom ou ruim. Ninguém tem terapia na escola. As redes de suporte não funcionam, e muita gente busca contato fora do ambiente escolar para conseguir suportar as tarefas obrigatórias. Negar essa possibilidade deveria resultar numa denúncia frente a organizações protetoras de Direitos Humanos (e se adolescentes tiverem um contato de fora?) ou mesmo reforçando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, pobremente implantado e nunca lido pela maioria de profissionais da Educação). Falta interpretação. O direito à brincadeira rende muitas conclusões, com mentes pensantes liderando a discussão, e não um bando de católicos punitivos e hipócritas (com reservas à boa moral cristã, que prega a ajuda a quem tem necessidades, mas não especifica quais), inclusive nas políticas de uso das plataformas digitais. Há brincadeiras de mau-gosto; há criminalidade organizada com influência na vida de jovens, e há também professores e professoras falando por aí que bandido bom é bandido morto. Na mesma medida, a escola católica não pensa jamais em integrar sedução e flerte nos letramentos, o que é, talvez não literalmente, mais certamente a mais crítica (e relevante, salvo as críticas que mal precisam ser feitas) falha em análise de dados. Adultos que não conhecem e nem se interessam pela realidade de filhos e filhas são menos tolerantes com os vizinhos, mas pode ser que os motivos sejam outros, e não a famosa necessidade de prover para a família. Sabemos discutir tolerância? Além disso, jovens aprendem o suficiente sobre o tema com experiências na internet? Creio que não, mas particularmente, não acho que professores no TikTok vão mudar alguma coisa.

2) Consciência

O som de uma guitarra amplificada pode ser de fato um convite à macumba do vizinho evangélico, que lhe considera adorador de Satanás. Mas não é só religião que dita as regras (só estamos presenciando uma potencialização desses debates, para a tristeza dos bons educadores e pensadores, e sem ter que flexibilizar os pronomes). Uma experiência com o aplicativo Happn seria legal, assim como o Snapchat, se todo mundo tivesse um plano em seu nome. Como você vai conseguir esse plano? Apresentando um comprovante de residência. E como você consegue um comprovante de residência? Apresentando holerites de seus últimos pagamentos com vínculo empregatício. Água, luz ou telefone. Acontece que muitos se utilizam da telefonia para fins, digamos, escusos. O comprovante pode vir porque você pagou com uma fintech. Não significa que a operadora e também a fintech não vão lhe causar danos, mas o comprovante vai chegar à sua casa (sim, um pedaço de papel). Como diria Michael Scott em The Office: “real business is made on paper”, mas aí inventaram o Pix. Acontece que o PayPal já existe desde 1998. Não é legal olhar ao seu redor? Não precisamos ficar no digital. Quando uma mulher grita por socorro e um homem fala alto na rua, sabemos que há um problema. Que não seja demérito fazer uma denúncia, muito menos ter que pagar pela denúncia que fez, quando a vítima nem está mais presente no cotidiano.

3) Mindset

Temos que ser alguém na vida. Escutamos isso desde muito cedo. Mas os exemplos viraram todos YouTubers. As meninas gostam do Twitch. O som da moda fala de sexo. As discussões sobre a tecnologia revolucionária que mudará o mundo força jovens a virarem investidores (vejam o caso do Robinhood). Mas pior do que o jovem fã do Elon Musk é o jovem hacker que ganha dinheiro ameaçando pessoas a acabar com reputações em troca de dinheiro. Parece que há um apelo contra a nudez, de um lado, e de outro um ganho que nunca se satisfaz e sempre acaba em punição ou segregação, guardadas as proporções. Não se ensina jovens a identificar problemas e atuar para solucioná-los, de fato. Podem fazer um fio no Twitter, se já acordaram para o monopólio do conglomerado Meta e tantos outros, mas não se somam as vozes, e se compete por atenção quando se deveriam unir esforços para direcionar debates e lutas para melhorias da sociedade. Os movimentos estudantis não são bobagem. São essas as mentes pensantes que farão do mundo um lugar melhor, e se preferirem ir numa manifestação ao invés de tomar uma cerveja importada, que bom. Já se não tomarem cerveja em ocasião nenhuma porque os pais não deixam, sinceramente, coitadinhos.

Code switching e cultura popular: identidade de baixo para cima

Muitos debates poderiam ser feitos, e já foram, sobre a questão do acesso a formas de expressão não-nativas e as oportunidades de integrar debates globalizantes. Parece que o mundo do trabalho não é mais o mesmo. Movimentos internacionais não são cobertos apenas pela mídia que os millenials conheceram, e se gabam com motivações aparentemente juvenis pelo fato de terem visto o mundo do orelhão na rua, das fitas cassete ou do VHS. Alguns lembram das videolocadoras e dos anúncios do poderoso DVD; outros focam nas redes sociais de vanguarda, por falta de termo mais apropriado, como o Orkut e o Fotolog. Mas embora o mundo de hoje apresente dados que salientam o papel da mobilidade e portabilidade do conhecimento (uma falácia conveniente) e termos um sem-número de novos aplicativos de sistemas operacionais para smartphones, não se toca na questão das chamadas “parent companies“, donas dos direitos. Eu particularmente não me incomodo tanto quanto possa parecer: o que me causa incômodo, tanto pelo histórico que carrego, entre tantos embates comigo mesmo e com um mundo desconhecido e altamente desenvolvido, com o qual tive contatos prazerosos e traumáticos sem saber definir quais foram os casos com a precisão necessária, não são as “companies“, mas sim, mudando para o masculino, os “parents“. Explico.

Quando comecei minha pesquisa acadêmica (e juro que não me alongo), percebi um certo movimento: nichos se intensificavam em complexidade, e o senso comum era uma espécie de realidade negada. Não é uma questão de micro e macro: o estilo de vida de um jovem que passava 5 horas por dia na internet era diferente daquele (e devemos incluir a experiência feminina com devido rigor, além de trazê-la para o debate, com o cuidado de não se apropriar da fala) que se ocupava com a limpeza de um banheiro, com o trabalho que começou muito cedo, com a sua própria vida social pré-midiática, ou que fosse com um desenho animado ou videogames, além dos estudos (na época em que o livro didático ainda era uma coisa relevante). É possível argumentar longamente sobre o valor da leitura, mas muitos desistem dessa estratégia, confrontados (seja por uma percepção de impotência frente ao desconhecido; seja por não encontrarem pessoas que compartilham das mesmas ideias, inclusive na família) com o grande poderio da comunicação massificada em vídeo. É positivo, por um lado. Mas há controvérsias grandes demais para serem ignoradas, e isso deve pautar debates.

Uma série de fatores me força a usar uma grande metáfora: os formatos de vídeo podem ser incompatíveis com a cognição de diferentes faixas etárias; podem também ser uma grande bobagem. Não faço comentários a respeito da brevidade das mensagens, da apropriação e mesclagem de conteúdos de outrem para divulgar uma impressão falsa da personalidade da geração z; não é o meu mundo, apesar de eu tentar entender, com muita boa vontade, mas acabar sendo sugado por um universo onde a atenção opera em outro modo. O mundo corporativo alertaria que a falta de atenção é o problema a ser enfrentado (os americanos usam uma expressão do esporte, não muito amigável, mas até que aceitável: “tackle“); o jovem parece nos dizer, a todo momento, que não entendemos nada sobre nada. E quem disse que convém contar suas histórias? A ridicularização é uma característica fundamental do que chamam de “cancelamento”, mas parece que todo mundo associa esse fenômeno a uma espécie de revolta com o comportamento dos que vigiam, seja qual for o propósito, e nunca (em hipótese alguma) discutindo os meios. São criados termos como “stan” (stalker + fan) e tantos outros, sem que a senhora que ainda assiste o Jornal Nacional tenha a menor ideia do que se trata. Perceba: estamos muito longe disso; mas o desejo, acredito, é de fato “participar” desses movimentos. Mas isso se dá sem expectativas, e sim por meio de espectadores. Veja: não agentes, nem mesmo assimiladores; brasileiros e brasileiras são meramente cientes, o que é opcional quando é possível, de certos movimentos da cultura. E o importante de se enfatizar é que a língua é cultura. Mas aí fica complicado.

Quando se trata dos propósitos do aprendizado de língua estrangeira, não se trata da cultura estrangeira com tanta frequência. Ainda se pensa que o entretenimento padrão vai dar as respostas, enquanto a demanda é por experiências reais, não fantasiosas. Por meio das narrativas, se procura por uma espécie de “fundo de verdade”, mas qualquer um sabe encontrar um exemplo onde tanto o fundo quanto a superfície são completamente deturpados. E aí entramos em questões básicas, mas apesar da introdução insuportavelmente prolixa para os menos iniciados na leitura formal, estamos tratando dos primeiros contatos com o mundo estrangeiro, informalmente. Isso não era possível. Então concluímos que é tudo muito bonito? O final é feliz? Depende. E é aí que eu quero chegar. Quantos pensam naquelas pessoas que conhecemos em redes sociais, nos comentários que vemos, nas sugestões e na sua arquitetura, e o efeito de cada uma das interações–que se note: com pessoas, empresas, robôs e violadores de regras em proporção esquizofrênica? Seria uma história linda falar que você conheceu alguém de fora que foi muito bacana com você; mas depois que todos nós perdemos a paciência com as demandas implantadas pelas redes que se promoviam como grandes agentes da união dos povos, hoje não são só as empresas que sofrem acusações de más práticas, mas também os usuários (com muitas razões, apesar de poderes altamente desiguais). Será que uma pessoa que tem 5 mil contatos no celular sabe dizer quem são seus verdadeiros amigos? E veja só: a plataforma Instagram, por exemplo, antecipou isso, introduzindo o conceito “close friends“. Mas não é sobre nada disso. E isso é o xis da questão–um só, tá legal?

Eu assisto comentários sobre finanças na televisão a cabo. Às vezes, aparece o primeiro ministro britânico ao vivo, falando ao parlamento, e seguem-se comentários sobre as decisões políticas e as múltiplas perspectivas de lá, dos americanos e do restante das empresas interessadas em margens de lucro e oportunidades. No mundo “real”, tão exaustivo de se definir quando se nega que o acesso à informação em menos tempo de vida é um fator mais ou menos determinante, e ao mesmo tempo que se recusa em várias frontes uma discussão adequada sobre os limites do discurso (e mesmo os pesquisadores não sabem determinar quais seriam estes, confrontados com dados e intensificação de tom, prática e expectativa), se propõe que seja adotado o chamado senso comum, sendo que quem determina o que acontece ou deixa de acontecer é, no papel, o grupo de empresas de tecnologia e um grupo ainda menor de pensadores da legislação. Mas ninguém quer saber de legislação! Querem saber (leia com atenção, porque é um alerta e uma constatação) por que os jovens se comunicam da maneira que se comunicam, achando que é normal. Mas note que o desinteresse pela vida do jovem é um problema pelo qual todos passamos (quando jovens, é claro). A competição da vida escolar se transformou em outra espécie de jogo, onde não é mais o vestuário, a cor do cabelo ou a nota da prova que gera uma impressão nos colegas; é a vida digital. E a maneira que esta se constrói, se levarmos a sério o tal princípio sólido da constituição estadunidense em sua primeira emenda, é questão pessoal e inviolável. E agora? Participamos disso? Se a expressão é livre, convém questionar como ela é silenciada. Mas também devemos pensar: e se as conversas privadas tomarem um rumo de favorecimento à deterioração das relações de respeito ou de naturalização das violações à honra e dignidade, conceitos estabelecidos pelo que chamamos de direitos humanos? Num mundo que tem os americanismos como modelo, por vezes sem nunca ter ouvido o termo imperialismo, será que vamos perceber que eles se viram bem, enquanto o estrangeiro sempre é excluído? Percebemos o desrespeito institucional, velado e de debate restrito para impedir a participação inclusive intelectual na sociedade onde o centro do capitalismo é o mercado estadunidense? Ou ainda: quem se vale dos contatos diretos para aprimorar uma percepção do que podemos falar e quando a nossa voz passa a incomodar, às vezes em sentido literal? Chega-se ao ponto de comparar uma fala pausada de um pensamento bilíngue ao retardo mental, e nem pense em argumentar com o americano se a pronúncia não tiver sido rigorosamente adequada aos estudos de fonética e fonologia; você não será ouvido, e quando for, será questionado.

Voltando à questão das liberdades, a minha atuação na análise dessas mudanças do plano discursivo se deu por muitos caminhos tortuosos. As histórias pessoais não importam tanto. É a famosa expressão: “a blessing and a curse“. Para eles, não importa. Para nós, seria escandaloso. Mas a localização é muito problemática. Quando deixamos de atentar às redondezas, renunciando inclusive atenção à família (apesar de discordarmos pela necessidade de auto-afirmação, o que é válido, até certa idade), para fazer apenas uma tentativa de migrar para o mundo que fala outra língua, aparenta não ter tantos tabus, mostra claros conceitos e possibilidades de abordagem dos mais variados temas e realmente sai do padrão conhecido e martelado pela mídia local, tudo parece muito interessante. Mas esquecemos que a nossa linguagem é nossa; nossos problemas, também. A influência mútua, devidas proporções do contato de uns e a expectativa dos espectadores diversos, é um conceito a se ponderar. Às vezes, não é mútuo–nem um pouco. Outras, pode até ser, mas a facilidade de trocar de identidade pela oferta mais conveniente ou mais atrativa (o que toma formas que pedem permissão para entrar na nossa vida, mas acabam por arruinar muitos de nossos planos) é o que faz da mudança linguística um tema de saúde mental: devemos entender o comportamento de forma humanizada, e avaliar periodicamente nossos atos, palavras, rotinas e relações (inclusive questionando se elas são verdadeiras ou não). É legal participar de um mundo novo das relações e presenciar particularidades linguísticas, comportamentais e expressivas que nos fazem apaixonados pela novidade? No começo, com certeza. Mas o começo de muitos jovens hoje em dia é marcado pelo conflito, que parte de uma simples imagem de si, já atrelada a inúmeros estereótipos, alguns deles assumidos e até bem definidos; mas as experiências e o que faremos com elas, principalmente se vamos ter algum papel de guia no futuro, trazem preocupação. O bom é que ninguém liga muito pro que se escreve num texto (a não ser que ele seja compartilhado num grupo secreto, ou algo do tipo, por meio de cópias que nem legais são; mas se o usuário não toma iniciativas, quem o faz é a liderança da empresa–e isso não devemos nunca deixar de questionar, a fim de participar não somente de uma “conversinha”, mas de uma discussão pautada em análise moderada, apesar das quedas e choques, para enxergar um futuro possível onde as liberdades não sejam condenadas, embora sejam reservadas a alguns (de cima) e negadas a todo custo a outros (de baixo).

Imagem: Pexels

Atenção: fator colaborativo e déficit do ego

Os modelos de trabalho remoto forçaram muitos que não integravam a lista dos serviços essenciais a procurar novas formas de alcançar pessoas a fim de conseguir administrar a vida. Isso pode parecer uma questão de regulação das finanças, à primeira vista; não é. Acho que, antes de mais nada, cabe pensar no que classificaram como essencial. Barbearias? Pelo amor de Deus. Se quiser usar desta avaliação específica para fazer comentários sobre administração, fique muito à vontade, pois estamos pertinho do mês de Outubro. Mas fato é que no meio da transformação digital, que já é complexa não por ser ininteligível, mas sim por ter perspectivas diversas, não se chegou a um consenso sobre quase nenhuma questão do uso das ferramentas sociais–evito, propositalmente, incluir o termo “mídia” para tratar das pessoas. A multiplicidade de perspectivas, inimiga do coaching, da tia do zap que nunca ouviu O Céu é Muito, do Lenine (nunca perdemos uma piada, não é mesmo?) sem entrar na questão de ministérios e suas funções, parece ser um problema, e não uma solução. Os gringos, que não gostam de ser chamados de gringos (coitadinhos), têm uma expressão interessante: “it’s a feature, not a bug”. No caso, se vê muito esse tipo de frase no meio das discussões sobre cultura digital: a competitividade, num mundo capitalista, não seria diferente no social digital; é toda a graça do negócio, não causa nenhum problema. Será?

Recorro à minha pequena biblioteca. O autor era britânico, publicava isso em 1932, e só chegou aqui graças à Editora Unesp, em 2018, através da Bertrand Russell Peace Foundation. É importante falar esse tipo de coisa. Em um de seus livros, há um capítulo inteiro dedicado à ideia de competição, mas contextualizando, antes de abordar o tema da educação. Já citei esse senhor em outras oportunidades, mas olhando bem para alguns eventos recentes muito pouco inspiradores da fé na humanidade e pesquisando a nível supérfluo o que certos grupos pensam a respeito do termo “eugenia“, acho que convém transcrever o primeiro parágrafo na íntegra:

Alguns ideais dominantes do século XIX perduraram até a nossa época; outros, não. Aqueles que perduraram têm, em sua maioria, um campo de aplicação mais restrito em nossos dias do que tinham havia cem anos. Dentre eles, o ideal da competição é um bom exemplo. É um equívoco, acredito, considerar que a crença na competição se deve ao darwinismo. Na verdade, aconteceu o contrário: o darwinismo se deveu à crença na competição. O biólogo moderno, embora ainda acredite na evolução, não acredita tanto quanto Darwin que esta seja motivada pela competição. Essa mudança reflete a alteração ocorrida na estrutura econômica da sociedade. O industrialismo começou com grandes quantidades de pequenas empresas competindo entre si, a princípio com pouquíssima ajuda do Estado, que ainda era agrícola e aristocrático. Portanto, os primeiros industrialistas acreditavam na autoajuda, no laissez-faire e na competição. Da indústria, a ideia de competição disseminou-se para outras esferas. Darwin convenceu os homens de que a competição entre formas de vida foi a causa do progresso evolucionário. Os educacionistas se convenceram de que a competição na sala de aula era a melhor forma de promover a indústria entre os eruditos. A crença na livre competição foi usada por empregadores como argumento contra o sindicalismo–o que ainda ocorre nas partes mais atrasadas da América. Mas a competição entre capitalistas diminuiu de maneira gradual. A tendência é que toda uma indústria se combine nacionalmente, de forma que a competição passou a se dar sobretudo entre nações, com uma grande diminuição da competição entre as diversas empresas dentro de uma nação. Nesse interim, naturalmente, os capitalistas se empenharam–enquanto combinavam entre eles–a atrapalhar, tanto quanto possível, as combinações de seus funcionários. Seu lema tem sido: ‘Unidos, venceremos; divididos, eles cairão’. Desse modo, a livre competição foi preservada como um grande ideal em todas as áreas da vida humana, excetuando-se as atividades dos magnatas industriais. Quanto a esses, a competição é nacional e, portanto, toma a forma do estímulo ao patriotismo.

Bertrand Russell, “Competição na educação”. In: Educação e ordem social (2018). Editora Unesp. (p.143)

Aí, amizade, cabe ao leitor ou à leitora tirar conclusões, e pesquisar sobre a expressão francesa. Machado de Assis era erudito, assim como Dostoiévski, dentre outros exemplos. Não é a questão do acesso (que se argumente); mas sim o panorama, a visão. Sem acesso a outras perspectivas, não tem panorama ou visão–mas talvez (teoria razoável) essa seja uma ideia impugnada. A visão é natural de cada um (não falo do ponto de vista clínico, mas poderia). O panorama, talvez, seria algo que Noam Chomsky se interessaria em discutir, sendo o linguista responsável pela disseminação de termos como “inerente” e “inato” para falar de todas as qualidades com as quais as pessoas já nascem. Na verdade, não sou leitor de Chomsky; apenas conheço suas fundamentações através de comentadores, uma entrevista ou outra (dentre elas, a clássica com Foucault, que deixo aqui). Mas não, a responsabilidade pela disseminação de uma teoria e a interpretação da mesma em forma de texto, além das outras formas que tomam (o comentário oral sobre o texto, por exemplo), não é necessariamente do autor. Só não precisamos falar da Section 230, mas cabe uma pesquisa. O que Chomsky diz é que nascemos com a capacidade de cognição. Só isso. E muito mais, é claro. A teoria da “gramática universal” é complexa, mas o quanto estamos experimentando no campo da Linguística Aplicada, mesmo que informalmente, para argumentar que o jovem é muito bem informado?

O que todo pai e toda mãe quer, além de ver seu filho ou filha numa boa faculdade, com a vida encaminhada, esse tipo de coisa, é que não se metam em problemas. E aqui entra o fator de interesse: o problema é que as pessoas não percebem o nível de tensão da vida da criança de hoje. Não vamos brincar de soletrar, mas seria importante. Vamos fazer o que, discutir como foram construídas as nações? Acho que cabe mencionar que um passatempo dos adultos muito popular é a variedade dos jogos de palavras (Coquetel manda lembranças), como destacou matéria da NBC, e foram inventados muitos formatos. Mas o que o adolescente quer é uma outra questão. A criança? Num país em que investimentos em cultura são barrados, fica difícil prever. Inclusive, não é só aqui: existem os que argumentem que não deveria existir atuação conjunta do Estado e das entidades culturais. Mas será que a atenção dos pais e a atenção dos filhos deveria se voltar às mesmas temáticas, fontes, filosofias, estilos de vida, estéticas, linguagens, e que não esqueçamos, pessoas? Não seria egoísta não lhes permitir a diferença–talvez até autoritário? Talvez, mas é inegável que a necessidade e urgência de atenção para si já passou de um estágio epidêmico. O bom é que existe a semiótica, a morfologia, o professor…

Mídia do outro, língua de todos: como se situar aprendendo inglês?

Quando eu tava na faculdade, meu primeiro contato com o inglês na graduação em Letras foi uma atividade onde a gente falava da nossa experiência com o idioma, bem resumidamente, e depois de perceber que alguns tinham estudado em escolas de renome e viajado pra fora (enquanto outros fariam isso mais tarde, e não foi o meu caso), gravamos um vídeo sobre um tema específico. Isso foi lá em 2008, tempo de políticas de inclusão na universidade, programas sociais e domínio da revista Veja nos debates da sociedade brasileira. Era um texto curto, que eu mesmo tinha escrito, e leria olhando pra câmera. Como não tinha celular (ganharia de presente um Sony Ericsson Walkman naquele ano, além do meu primeiro emprego e um download do Labiata, do Lenine), meu grupo seguiu o conselho da professora Walkyria e procurou o departamento de vídeo da faculdade. Eles gravavam eventos acadêmicos com filmagem profissional. Preparou-se a sala de apresentações com o equipamento, cheguei no horário (um milagre) com o papelzinho na mão, luz, câmera e aquilo que já era esperado: tá gravando? Vai, começa de novo. Olhei pro papelzinho, o papelzinho olhou pra mim, e lembrei da primeira frase; mas, em seguida, fiz uma careta e desviei a atenção pra parede. Isso não se faz, colega. Mas tudo bem, ninguém aqui nasce sabendo. O papelzinho, amigo. Procura não olhar pra baixo. Depois corta. Não me lembro da ideia geral, mas deve ter sido algo do tipo: “English is spoken in several countries around the world, and people have different opinions and feelings about how well they perform”. O que vem depois? Na boa, não dá pra lembrar mais do que isso. E como se enfatiza essa mensagem? A entonação cumpre um papel? É legal usar gestos pra complementar a ideia? E as pausas, serão longas? E a sua própria aparência? Mais importante que tudo isso: o texto é claro, e faz sentido abordar o assunto dessa maneira, numa fala? No fim, meu amigo acabou gravando o vídeo no meu lugar. Foram pelo menos 15 tentativas, e fiquei nervoso demais, não sabendo como corrigir meus próprios erros. Desisti, principalmente porque julguei já ter passado vergonha demais. Um grande erro.

Quero falar sobre alguns aspectos dessa experiência. Primeiro, a tecnologia que usamos no contexto de aprendizagem, e como isso mudou. Segundo, a experiência do outro, e como o esforço em conectar pessoas tornou o processo mais dinâmico, ao tempo em que atenuou algumas diferenças. Terceiro, a categorização da nossa expressão, que hoje virou trabalho essencial, não apenas pra quem trabalha com idiomas ou estuda a comunicação. Depois disso, acho que a gente pode olhar um pouco pra essa ideia de que temos opiniões e sentimentos sobre a língua, e como isso se torna complexo no contexto global, principalmente quando se baseia num julgamento. Finalmente, quero falar sobre o que significa ser incapaz de completar uma tarefa, e as outras tarefas que surgem depois de uma primeira experiência. Tudo bem se ficar com preguiça de ler, tá? Como isso é normal e previsível, vamos por partes.

A tecnologia e nossos hábitos

Quando eu tinha 10 anos, a quarentena era todo dia e a realidade era a TV, o rádio e o videogame. Parece estranho pra muita gente, mas a playlist do Spotify era feita manualmente por uma pessoa que entendia de música e se informava constantemente sobre lançamentos, selecionava o mais relevante de acordo com critérios comerciais e críticas em veículos impressos, botava pra tocar na hora do almoço e todo mundo ouvia; mas a programação continuava. Posso até falar que gosto de podcasts, mas não penso muito no fato de que o que fazemos hoje é resultado de um acréscimo das informações de veículos digitais na cultura popular, com muitas exceções, mas que contribuíram pra democratização das mídias, no plural mesmo. Existia a MTV Brasil; na minha região, existia o Mar Games, e as bancas vendiam a Nintendo World e a Super Game Power; nem se pensava em TV digital, e o Jornal Naconal era o vetor das questões unânimes havia décadas. Hoje é possível acompanhar discussões com um clique na chamada e outro nos comentários, e se não buscamos um tipo de informação que altera nossos ânimos, muitos de nós assistimos a séries da Netflix, inclusive na TV inteligente, sabendo ou não que algumas delas tiveram direitos de reprodução comprados pela empresa, que briga com outros serviços do chamado streaming pra ter o melhor conteúdo e maior número de usuários. É claro, o entretenimento se diversificou, e pode-se perguntar qual o espaço dele na educação. Naquela época, os livros escolares ainda precisavam do complemento das bibliotecas. Não que isso tenha mudado radicalmente, abandonando-se os livros ou no sentido de nada precisar de um complemento: isso se tornou mais intenso, apesar de o detalhamento e a variedade disponíveis, principalmente se você lê em inglês e tem uma conta na Amazon, não se traduzir sempre em investimento, sem falar de assimilação ou mesmo consulta extensiva; o fato é que as enciclopédias que usávamos pro trabalho de biologia foram substituídas por biólogos que fazem vídeos no YouTube, por exemplo, ou em algum meme do Bob Esponja. Os games, como todos sabem, evoluíram da distração pro nicho cultural, mas isso depende da sua idade. Aliás, seria muito interessante comparar a evolução dos jogos de ação em primeira pessoa, como Goldeneye em 1997, para Skyrim em 2012; mas já se foram 8 anos, e a dinâmica mudou, para todos os gêneros. Por mais que pareça irrelevante, na cabeça de alguns pensadores, falar da importância desse processo de evolução tecnológica no contexto de aprendizagem é falar justamente do que nos acostumamos a lidar em termos de possibilidades e estratégias que formam nossos conceitos e a maneira que estruturamos nosso esforço cognitivo; mas, pra muitos, perceber que o cadeado de um portão abre à base da bala não tem nada a ver com educação. Eu não discordaria, mas o ponto é que as relações se tornaram muito mais complexas que isso, e esse universo da tentativa e do erro, da ação e da reação, da causa e da consequência, do planejamento anterior e da expressão posterior se transfere o tempo todo de um plano pra outro – aqui, os entusiastas do RPG provavelmente têm algo a dizer, mas nem todos pagariam pra ver uma banda tocar ao vivo músicas do Final Fantasy, como acontecia há 10 anos em eventos voltados a esse público. De qualquer forma, muito disso é produzido lá fora, e desde cedo entramos na questão cultural: se o início da nossa experiência com o lúdico e o imaginativo se dá por intermédio de uma indústria que foi estabelecida à distância, acompanhamos o desenvolvimento por completo ou terceirizamos toda a avaliação? Não me refiro às bonecas e aos ursos de pelúcia, mas a gente pode pensar nisso também. É claro que a minha geração lembra da importância do Glub Glub, Mundo da Lua, Castelo Rá Tim Bum, mas eu não vou defender nem Xuxa, nem Gugu ou Eliana, e por mais que me torne arrogante, sou uma pessoa com incrível senso de ridículo que pensa no futuro e está pronto para um belo tapa na orelha na próxima vez que ouvir que hoje vai ser uma festa. Brincadeira, claro. Antes que fuja do assunto: por que não animes japoneses? Particularmente, não consumo muito conteúdo coreano, mas Baby Shark veio de lá e eu achei genial. A questão é que fica difícil saber onde acaba um ciclo e começa outro. Tudo isso se confunde, mas tudo bem, pois enquanto consumidores e longe das etapas da produção criativa de público massificado, ainda não chegamos ao ponto de desenvolver uma análise criteriosa sobre a qualidade de determinados conteúdos – ou chegamos? Talvez o público não seja massificado, mas a produção seja, e peque em qualidade: se falamos de cultura e de internet, é possível que alguém pense no que se chamava de flooder antigamente, mas a vontade de aparecer às vezes pode ser exploração mesmo, ou pelo menos uma frustração com a irrelevância da produção que leva a crises de saúde, inclusive. O que eu observo é que existe uma preocupação sobre conteúdo, mas por mais que isso seja evidente no entendimento entre pais e educadores (gostaria muito que a língua não fizesse distinção de gênero), no período escolar, ainda é tudo muito vago, além de não haver muito diálogo concreto entre as partes. Outro dia, li um projeto de aula que dizia que, de acordo com a BNCC, o aluno deveria saber todas as propriedades do vlog aos 8 anos de idade. Na minha época, eu realmente só sabia que o cadeado abria com uma KF7. Talvez por isso tenha crescido com relativa estupidez, e não lido o Pequeno Príncipe, que estava guardado no armário do meu pai, dentre outros itens. Mas jogava desde os 9, peguei Agatha Christie na mão na mesma fase e li de fato o primeiro Harry Potter aos 11, na época do lançamento; minha prima, em compensação, teve a primeira conta no Instagram ainda na infância. Posso estar enganado, mas não vejo muita discussão sobre o YouTube Kids; o máximo que aconteceu foi a febre TikTok. E como se explica o que rolou com as mídias sociais de raiz, digamos? Recentemente, andei até a banca de jornal na esquina do condomínio vizinho e perguntei se tinham o Diário Oficial. Era publicado desde 1862; não desapareceu, mas deixou de ser impresso em 2017. As revistas continuam, mas os canais têm muito mais engajamento, o que chama a atenção da publicidade. E a própria publicidade, que já virou até série (Mad Men), além do escritório, que virou meme (The Office)? A rede social é título de filme; grandes nomes do debate pela privacidade também, além dos documentários, disponíveis a todos que pagam mensalidade ou conhecem alguém que paga. Se devemos pensar no plano maior, a telefonia passou de fixa pra móvel, ganhou funções interativas, plataformas foram criadas cruzando dados de usuários e hoje não faz nem sentido perguntar se alguém usa o que se denominou mídias sociais – o que importa é como usam. Mas perde-se a oportunidade de discutir o problema de que nem todos acompanham esse processo na educação: posso descobrir a importância de se preservar o meio ambiente em uma aula presencial, mas é só usar o aplicativo do Google no celular pra procurar declarações do ministério responsável no Twitter durante a fala do professor. E aí surgem questões: é relevante comentar os argumentos dos discursos de ativistas como Greta Thunberg na mídia, mas participar ativamente das discussões públicas, talvez de um grupo maior de defesa do ativismo, também tem relevância, principalmente porque ele sofre ataques, por decorrência lógica. E aí, como fica a questão do letramento midiático, esse termo chupinhado do inglês sem a menor vergonha na cara? Brian Solis já indicava lá em 2010: a rede se tornou de muitos pra muitos; o consumidor virou produtor. Mas é óbvio, não seja condescendente. O que a gente quer saber é como o Instagram sugere um usuário pra mim com um número aleatório, mostra fotos que acha que eu vou gostar, esconde quando quer, bloqueia mensagem se quiser falar com mais de 3 pessoas, escolhe 800 usuários que dão like na sua postagem por vinte reais, mas jura que não hackeou nenhuma democracia, magina. Não por isso! Se os robõs são espertos, editoras também; o problema é quando se ganha uma revista de graça mas se perde um emprego por postar numa máquina de dinheiro sobre o que alguém com dinheiro decide fazer com ele. Aliás, abraço pro octagenário suíço que manda no Brasil! Somos todos pela educação, desde que a escola seja sem partido. O presidente nem precisa dessas coisas do século passado, como coligação: é só ter uma KF7 mesmo. Nesse ponto, com o perdão que não lhe peço pela metáfora que existiria se não fosse real, a gente sabe que houve alguma análise da cultura digital pra que se fizessem lives e mais lives. Cedo demais pra falar do futuro do trabalho? A internet pratica o laissez faire ou a coisa é mais puxada pro panóptico mesmo? A comunicação hoje prioriza as predições antes inclusive da verdade, pois não temos jornalistas que associem o preço negativo do barril de petróleo com as carreatas a favor do relaxamento das restrições de aglomerações, mas se for possível colocar o clickbait da matéria num vídeo do Brasil Paralelo, tá feito o negócio. E quem disse que não se fala de negócios quando se fala de mídia? Empresas pagam muito caro pelo espaço, há muito tempo. Há 5 anos atrás, alguém comentou: it’s 2015 and you don’t have adblock? É válido pensar em como se desenvolve a experiência virtual de grupos diferentes, e digo isso abrindo mão de alguns argumentos sobre privacidade, que podem se traduzir em egoísmo, ilusões de grandiosidade e falta de compreensão; no entanto, a frase indica que nem todos acessam os veículos da mídia fora dos aplicativos, onde geralmente se pede por dados para ter uma inscrição via e-mail e valores que chegam a até 1 dólar ao mês por conteúdo de altíssima qualidade. Se quiser entrar nessa, que saiba o que está fazendo. Conto um caso: quando comecei a acessar o UOL, passei a achar que o universo realmente estava online, criança que sou em espírito, a cada dia cantarolando uma música da infância diferente, do tema de Aztec ao hit de 96 “Ô Milla”, que tocava no intervalo e deveria ser o meu escape do menino que me batia na primeira série, mas acabou por me tornar um artista frustrado que encarna o mal gosto e diz que é de propósito. Mas aí lembrei da minha avó, nascida no ano em que Freud publicaria uma teoria que contrastava o desejo individual com o conceito de cultura, que é coletivo. Teimoso, continuei pensando em mídia. Pensei que estava me informando, pela primeira vez, pela mídia local e não a estrangeira, mas só via constantes notificações dos prêmios da Mega Sena; demorei a perceber que o conteúdo é extenso, e veículos de mídia precisam ser acessados sem que se pense, como virou costume, que as notícias estão realmente acontecendo em tempo real – pode funcionar para os seus 5 mil amigos no insta, mas o mundo não gira nem em torno de você nem deles, pode ficar tranquilo. Precisamos lembrar que a mídia se transformou, mas ir além do reconhecimento trivial e carente de honestidade (e daí que não tinha celular?) pra pensar tanto o que vem daqui pra frente como o quanto fomos influenciados, em grupos distintos, pelas transformações das últimas décadas. Isso inclui educação, como se indica nos modelos de aprendizado a qualquer hora e lugar, mas também a economia, a cultura e o trabalho. A pergunta que fica é: eu sabia de tudo isso quando olhava pra câmera, com meus 18 aninhos e meus três pêlos na cara? É claro que não. Mas o mundo se voltaria pra produção de vídeo na internet como o verificador de autenticidade, talvez não nos grandes acontecimentos, mas na interação, no registro e na defesa de seus ideais. Ainda não pensamos em fazer isso em outra língua, aqui no Brasil. Mas eu encontrei esse caminho e devo dizer que, apesar das implicações negativas, as boas possibilidades não se comparam.

Diversidade e interatividade

Quando me vi à frente da câmera, foi inevitável pensar naquele contexto que a gente cresceu acostumado – menos os que desligavam a TV pra ouvir música – onde a notícia era transmitida ao vivo e todos assistiam. Continua do mesmo jeito, mas existe toda uma cultura paralela onde a influência se dissipa e se defende que seja o máximo possível. Brincamos com a noção de autenticidade; exploramos o fato, o discurso e a contradição; pode ser que defendamos o indefensável, mas ainda contamos com colaboradores e vigilantes da hermenêutica. Nem tanto, vai: a gente só sabe que sempre tem um maluquinho que passa dos limites. E na boa: todo mundo tem um pouco de loucura. Mas novamente: nem tanto. O contexto que se criou nos últimos anos, ou tentou se criar, é o de conexão do pessoal com o virtual. É importante lembrar da raiz das palavrinhas: quem se conecta é a pessoa. Mas, por algum acaso, foi cunhado o termo rede social, sendo que a maioria se sente bastante sozinha, não conta com a companhia dos próximos e não sabe nem se defender caso seja essa a necessidade – contra a segregação, o complexo de inferioridade, os eventuais conflitos de interesse e opinião, mas também os ataques pessoais ramificados e detalhados, além das demandas naturais da sociedade e da família. É uma forma de ver as coisas, claro; existe uma série de interpretações, inclusive aquela que quase denuncia o egoísmo ou auto-centrismo do usuário, mais uma denominação alternativa pra pessoa humana. E retomo a outra questão, não pra lhe deixar confuso, muito menos pra pagar de filósofo: gostaria muito que a língua não fizesse distinção de gênero, haja vista a experiência feminina da internet em comparação à masculina. Pois bem, estamos conhectados aos bilhões. As pesquisas já indicam que o número de dispositivos superou o de pessoas; por isso insisto na questão da relativa desumanização que o virtual pode gerar. Nesse sentido, sou relutante mas cuidadoso ao usar o termo, talvez por ser linguista e não advogado: os termos de usuário do Twitter basicamente indicam que chamar alguém de “anta” configura desumanização; eu já sou uma pessoa que aceita a crítica, sabendo que erro na vida e devo aprender com isso; mas quando digo relativa, penso mais no efeito da crise de relevância e a ideia de que somos apenas mais um. Isso precisa ser solucionado. É importante que falemos bem das pessoas que nos fazem bem; mas, fora das relações pessoais, parece que o conceito de cidadania ou mesmo de ativismo está sendo confundido o tempo todo com indignação e revolta, pra não dizer ofensa. Entenderam errado. Devemos apontar soluções, devemos apoiar uns aos outros, e para além da competição acerca das melhores mentes e ideias, nos destacaríamos pela habilidade em identificar diferenças sem preconceitos, pra falar de outra raiz de palavra importante. Traduzindo tudo isso de uma maneira que seja mais clara e possibilite o debate: não gostei de uma música? Vou fazer uma música melhor do que essa. E olha, muitos colocariam o ponto final da discussão aqui, mas é claro que não é isso que acontece na maioria dos casos. Além da falta de curiosidade sobre o processo criativo, existe hoje uma defasagem do conceito de fala pública, que tantas vezes parece apostar na divisão e não se preocupar com repercussões. Isso renderia teses, mas eu pelo menos me vejo como o acadêmico preguiçoso que ainda não foi atrás delas. Faça um exercício: pense no bebê nas redes sociais. Postaria: “tô com fome!” Imagine os haters, que provavelmente iriam ao ponto de aconselhar uma leitura sobre os meios de produção antes de vociferar tamanha petulância. É claro, isso não se aplica a todas as falas públicas, mas a que importa, pode acreditar, é a nossa. Imagino que quem lê esse texto saiba que as necessidades não precisam ser destacadas ou observadas o tempo todo, e é esse o ponto da discussão, mas em muitos outros casos, precisam sim, lógico que precisam. E talvez uma delas tenha sido a necessidade de se conectar pessoas e interesses de maneira remota. A língua ainda é um obstáculo, mas como dizem por aí, só na sua opinião. Muitos julgam não precisar do inglês, e quem sou eu pra questionar isso, principalmete confrontado com o fato de tantos americanos, britânicos ou australianos não conseguirem identificar as nuances da minha língua materna? O que torna a discussão mais complexa é que, nesse sentido do que é acessível ou não, existem reações e percepções do outro que não estão exatamente claras; mas ainda temos uma curiosidade sobre as línguas, sobre o modo de viver, sobre os autores ou artistas, sobre a organização de grupos da sociedade e as particularidades enfim de falantes de outras línguas. E não cabe a demonização das redes sociais como espectro de influência do imperialismo; essa noção é falsa, pois existe uma plataforma e os usos locais da plataforma; existem outras alternativas, e ainda estamos num processo de descoberta. Só não podemos esquecer de que um princípio básico da vida em sociedade é a dignidade humana, e precisamos de esforços para que isso seja disseminado pelo senso comum e pelos órgãos responsáveis, que enxerguem nos desejos de expressão de quem participa das redes a intenção de tornar a vida mais agradável a cada momento, apesar das dificuldades. Mas voltando à questão da câmera: pude expressar isso quando tentei falar sobre a performance do falante? Não, nem sabia de muito disso que acabei de mencionar. E convém observar que não foi muito através do vídeo que aprendi boa parte desses conceitos (ênfase na questão da dignidade), mas através de conexões complexas com várias partes do mundo – o que pode vir a ser um problema se não há esforço para assimilar, compreender e mudar boa parte de seus hábitos e discurso.

Os fins específicos

Talvez a experiência na faculdade tenha sido mais uma questão de fazer uma ponte entre o linguístico e o extra linguístico. É claro que as questões gramaticais, de vocabulário, prosódia e pronúncia seriam abordadas, mas também conceitos como confiança ao falar, dificuldades em ser avaliado, planejamento, postura. Se procuramos entender o que jornalistas dizem na TV estrangeira, é claro que não estamos julgando a aparência de uma pessoa. No entanto, as palavras não são facilmente associáveis. Muitas vezes, algumas delas desencadeiam pensamentos completamente desconectados do todo, numa espécie de livre associação paradidática: entendi Sunday; o que vou fazer no domingo? E o foco de atenção se perde, até que se olha novamente pra TV, e parece que o assunto já é outro, mas notamos uma expressão facial diferente, e focamos nela, não na linearidade do argumento apresentado, nos nomes mencionados, nos fatos e nas soluções dos problemas abordados. Experimente voltar pra programação normal. Tédio completo, ou então o comentário de um familiar. É claro, criatura. É outro país. Mas e o conhecimento que existe em outra língua e não está disponível na sua? Lembro de ter lido um conto da Virginia Woolf, que abre uma obra chamada Monday or Tuesday, e achar que se tratava de uma descrição da procura de um amor, quando críticos classificam como suspense e as referências são mórbidas. Talvez tenha achado a estrutura bonita, as palavras bem ajustadas, gostado de ler descrições que fugiam à normalidade; mas não entendi a essência. O mesmo acontece com a música: até hoje, perco o fio condutor de uma letra, quando quem vive a vida falando aquela língua tem sempre uma primeira impressão, e não precisa olhar pra tela (ou pro encarte) pra descobrir o significado, apesar de isso ser discutível. Nos trabalhos acadêmicos, o importante é saber a relevância do tema e a estruturação das bases teóricas, com argumentos de consenso ou conflito, acrescentados de uma perspectiva sua e uma conclusão que aponta um caminho. Geralmente é assim; mas quantos fazem um recorte ou deixam de explorar o que é citado? Sou um desses, inclusive. Tudo tem teoria e prática; o impportante é saber que ambas são passíveis de mudança, e isso segue movimentos. Existe a prática das mídias (inclusive as sociais), existe a arte e existe quem se dedica mais fielmente à análise crítica. Se a sua finalidade for só conhecer alguém, trocar ideia, falar das coisas que acontecem durante o dia, mandar um link e basicamente ficar de boa, nem se preocupe com a CNN. Mas na comunicação existem analistas, e o mundo parece, se não for uma tendência geral, ao menos dispor de ferramentas pra mapear como se fala e com quais motivos, por razões que pode ser muito cedo pra discutir, dependendo do seu posicionamento.

How does it sound to you?

Uma coisa essencial de se lembrar no aprendizado em segunda língua é que personagens não falam com você. Talvez eu seja suspeito pra falar dos músicos, mas não é nenhum pessimismo: eles sabem que o público não entende da mesma maneira se não nasceu falando a língua deles. Novamente, a distinção de gênero vem à tona, mas dessa vez com certo propósito: a presença feminina na indústria musical é marcada por discussões sobre imagem, tradição, expectativas e outras questões que merecem uma postagem dedicada a um maior aprofundamento; adianto que acredito no empoderamento feminino, e não tenho problemas pra falar da minha sexualidade até que alguém acredite que a minha sexualidade é um problema. É difícil, inclusive, cumprir uma função tradicionalmente feminina, na sala de aula; no idioma estrangeiro, é de um desconforto enorme verificar a cada momento que a sua postura, o som da sua voz, a sua escolha de palavras, a sua clareza, dicção, seus exemplos, suas referências e inclusive a maneira como você conversa na vida pessoal e supostamente privada é passível de avaliação neste viés específico, por parte do empregador e por parte de um público imaginado. Mas não conto nenhum caso; prefiro refletir sobre a importância de outros temas. Por exemplo, o fato de que quando falantes nativos (no inglês, diga-se de passagem, não há distinção de gênero em artigos ou adjetivos, e é a última vez que falo sobre isso) fazem uma espécie de simplificação da fala: falam devagar, cortam palavras que julgam ser muito difíceis, evitam referências muito localizadas, enfatizam demais, muitas vezes acham que você não entendeu nada e agem como se isso já fosse esperado, ao invés de perguntar se você entendeu ou falar de uma outra maneira, sem continuar a conversa por desistir da interação, e claro, sempre julgam o seu sotaque. Alguns podem elogiar o seu inglês. Poucas coisas são mais irritantes, com o perdão da honestidade. Pessoalmente, passou a ser mais frustrante do que irritante; mas essa frustraçãoa apesar de existir do outro lado, é minha também, pois me cobro, falho muitas vezes, e tenho que aceitar que falo uma versão do idioma, além de ter uma versão da realidade, tema que já abordei em outras oportunidades. Um anúncio que vi recentemente falava “can you I-MA-GINE? If someone spoke to you? Like this?” E o legal é que muitos não notariam a pronúncia da primeira vogal, mas saberiam, é claro, que se trata de uma espécie de preconceito linguístico. Eu acredito que não se deve subestimar as pessoas que querem aprender. Mas existe uma diferença entre aprender uma trivialidade gramatical e participar ativamente da sociedade no contexto estrangeiro: o nome disso é imigração, e essa discussão, senhoras e senhores, vai longe. O ponto importante de se lembrar, no entanto, é que os Estados Unidos é um país com muitos imigrantes, e enquanto certas atitudes foram naturalizadas no sentido da aceitação do outro, há defensores de teorias como “they’re taking our jobs”. Prefiro não tomar partido nesse caso, por uma questão ética. Mas você está livre pra formar sua opinião com base em dados estatísticos. Em muitos países europeus, o ensino bilíngue já avançou bastante, outro ponto importante de destacar. Se você vai achar mais prazeroso, no curso das suas interações, trocar uma ideia com alguém da Europa que fale duas línguas ou invés de alguém que fale uma só, isso vai depender da pessoa, é claro. Só isso que eu digo. O resto é individual. A supercorreção tem algum benefício e vários malefícios, mas alguns deles vêm de você mesmo. O importante é se comunicar e gostar de falar com alguém. Já na sala de aula, a história é um pouquinho diferente, mas não é um post sobre a sala de aula.

Teacher, I’m stuck!

Sai daí, menino, como já diria o Costinha. O que é travar? Fundamentos filosóficos. Não, nada disso: a reformulação é uma característica essencial da conversação; se você quer se aprofundar nisso, procure referências na academia – se você tiver interesse, pode assistir ao professor Ataliba de Castilho explorando exatamente esse tema, dentre outras propriedades da fala, aqui; também vale assistir ao canal English Coach, num vídeo que vou deixar aqui. Pensar antes de falar é conselho de mãe; falar o que pensa é conselho de pai. Ou seria o contrário? De qualquer forma, ambos atuam e se reconfiguram, baseado em boas experiências e outras nem tanto. Existem níveis da fala, contextos de interação, veículos e formatos, além de conceitos básicos (mas que se mostram útil nos dias de hoje) do que se denomina variação linguística: a análise quantitativa e qualitativa. Nós operamos com esses conceitos o tempo todo, e vale a pena pensar sobre a aplicação deles nas diferentes situações em que produzimos linguagem, por mais que o termo seja mais geral (sim, galera, eu estudei linguística; por isso sou tão insuportável de ler e uso ponto e vírgula fazendo adendos).

A minha experiência com vídeo mudou um pouquinho. Sou uma pessoa que passou muito tempo em videochamadas, repito, e talvez por isso alguns estranhem um pouco a forma da escrita e critiquem o propósito. Mas acredito que você tem aqui bases pro seu estudo, entre alertas, dicas, materiais e reflexões com as quais você pode divergir. Tô ficando velho, mas é aquela história: quem não se comunica, se estrumbica (se você procurar a definição da palavra no dicionário Priberam e aprender quem disse isso, fico contente).

Educação e o fator psicossocial: rebeldia e a imperfeição de modelos

Os sistemas de informação transformaram a ideia de relevância em todo o histórico complexo do desenvolvimento da mídia. Nativos digitais provavelmente pensariam: “ok, o VHS é obsoleto, mas como eu nunca conseguiria administrar uma locadora, é melhor ficar quieto”. Mas esse não é o ponto: ninguém aprende o que é obsoleto (a palavra) até pegar um bom texto pra analisar, o que pode ou não ser uma tarefa de sala de aula. Ninguém aprende princípios de administração aos 13 anos de idade, mas com certeza têm conta no Instagram. No entanto, nada dura pra sempre, e talvez precisemos conversar sobre o TikTok e o YouTube Kids, mas sem aquele papo de direitos autorais, sem grandes ideologias do conteúdo agradável, e principalmente, sem sugestões automatizadas de grandes influenciadores. Talvez. A quem cabe essa tarefa: pais, escola, sociedade ou a própria mídia?

É evidente que são apenas exemplos. Ao que tudo indica, ninguém sugere aplicativos por acaso, e são muitos. Se um adulto escolhe se inscrever em uma lista de email, isso garante que leia artigos todos os dias, forme suas opiniões com parcimônia e atentividade, além de assimilar dados fundamentais e compartilhar o que merece destaque? Apontará erros, identificará tendências além das discursivas, e lidará com as consequências — cada vez menos transparentes? Não importa, para tantos. Sua página tem números. Seus leitores foram superiores à média histórica, passaram os concorrentes. Mas hoje se pensa em conteúdo orgânico, não somente em visualizações — na verdade, apesar de todos os montantes das campanhas publicitárias, sempre foi assim.

Adolescentes convivem com a publicidade no espaço privado. Esse é o grande problema moral do século, mas é inconveniente apontar anúncios capitalistas como uma deficiência abominável. Afinal, todos sabemos que o “influencer” só precisa falar que tá com fome pra receber comida de graça, não é mesmo? Muito bem: todo aluno só precisa dizer que não entendeu para que o professor cumpra um papel mais digno que seguir o plano de aula. Isso não tem absolutamente nada a ver com publicidade, mas hoje se paga por aulas online (além do acesso e também pelo dispositivo). As escolas, com espantosas exceções, podem proporcionar acesso livre à internet e equipamento, mas isso é uma discussão bem antiga — e que falhou miseravelmente, não só no Brasil. Dados do INEP, TIC Educação e do CGI revelam um gravíssimo problema de constatação das dificuldades além da gestão: enquanto 95% das escolas, ao que é divulgado, possuem acesso à rede, as conexões são lentas (fala-se em 1Mbps) e 55% do acesso é feito em laboratórios de informática, por sua vez usados por apenas 30% dos professores — e convém lembrar: não se fala da frequência nem do conteúdo, muito menos se propõem modelos de atividades. Ou seja: a tal da revolução digital só funciona para as grandes empresas. Não existe, na moderna e exigente BNCC, menção de exemplos de conteúdos online. Mas sabemos: a realidade se molda, cada vez mais, pelos hábitos digitais. Quem ganha, e como podemos abordar o assunto do ponto de vista pedagógico, sociocultural, sem falar da grana?

A reflexão pode partir do princípio de que a escola forma pessoas para o exercício da cidadania. No mundo lá fora, uma vez cumpridas as obrigações curriculares e superadas as barreiras e os desafios da ordem social, o que define sua atuação é o trabalho. Naturalmente, existe competição. Mas não estamos inseridos no globalismo? Não sabemos que a ideia de conectar pessoas vai além dos interesses, mesclando também preocupações, princípios, fins e meios? Sugiro uma reflexão filosófica e propositiva do britânico Bertrand Russell, que escreve (pense nisso depois) em 1932: “a crença na livre competição foi usada por empregadores como argumento contra o sindicalismo, o que ainda ocorre nas partes mais atrasadas da América. Mas a competição entre capitalistas diminuiu de maneira gradual. A tendência é que toda uma indústria se combine nacionalmente, de forma que a competição passou a se dar sobretudo entre nações, com uma diminuição da competição entre as diversas empresas dentro de uma nação”. E aí, cedo demais pra falar sobre o plano americano de parceria com a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia para contrapor a tecnologia 5G da chinesa Huawei, ou nada a ver?

O fato é que essa ideia de competitividade é a essência do livre mercado. Mas faltam psicólogos pra explicar como isso afeta a todos (eu, você, filhos que você tem ou pretende ter, mas talvez nem tanto a sua avó, e que Deus a tenha se for o caso). Não sabemos muito bem como os mais velhos lidavam com o mundo, mas alguns deles lidaram muito mal: tivemos duas Guerras Mundiais no século passado, e muito sangue derramado nos anteriores. Fala-se com benevolência e algum nível de empolgação sobre uma “guerra da informação”, mas sempre esquecem de mencionar que ninguém dá a mínima pra nova atualização do Windows, e talvez muito mais pra originalidade de uma letra de rap. Claro, isso incomoda; mas voltamos à questão dos papeis (da família, da escola, da sociedade, das mídias). Nas redes sociais, fica claro que há um excesso, apesar dos filtros (um ponto que, pessoalmente, não me sinto preparado pra discutir em detalhe); mas será que o que assimilamos de fato contribui positivamente para nossa formação, como pessoas, e não números estatísticos do sistema educacional ou potenciais consumidores? O que pode ser feito pra que essa formação traga novas formas de encarar os desafios que o mundo enfrenta, e nós com ele? E lá vem o cara de novo: “há uma tendência perigosa — em todos os países da Europa Ocidental, mas não nas Américas do Norte e do Sul — a infligir aos jovens uma educação tão excessiva que danifica a imaginação, o intelecto e até mesmo a saúde física.” Eu me sinto inclinado a comentar a questão da identidade e da comunicação, pois não falo espanhol, francês ou alemão, mas sei que o búlgaro, o tcheco e o polonês também não. Ou seja: se quisermos ter chance em nos entender, é melhor partir do princípio que o inglês é uma língua que cumpre um papel social. É claro, o Google Translate também, mas acho que é sempre bom ser realista…

E o que eu quero fazer com a minha habilidade de comunicar minhas ideias, sentimentos e percepções de mundo? A princípio, melhorar essas habilidades — mas do que e com quem você fala? Não ter essas habilidades é um gigantesco entrave, e contribui para um isolamento que pode evoluir para ideias radicais de nacionalismo, por vezes aliadas a uma política que sempre pode ser discutida, mas isso não é uma garantia, se é que me entendem. Talvez o pensador britânico possa ser interpretado num sentido mais metafórico: “o homem cuja língua é cerceada por leis ou tabus contra a liberdade de expressão, cuja pena é cerceada pela censura, cujos amores são cerceados por uma ética que considera o ciúme melhor que o afeto, cuja infância foi aprisionada em um código de boas maneiras e cuja juventude foi talhada em uma ortodoxia cruel, sentirá, contra o mundo que o tolhe, a mesma raiva da criança cujos braços e pernas são imobilizados.”

Mas será que essa, digamos, paralisia não se dá no sentido que acompanhamos (creio eu) na proposta do socialismo democrático, que aponta como única solução uma grande mudança estrutural que vem de baixo pra cima? Qual seria o modelo, para além da linguagem, que por si só já traria discussões para uma década — e seria, apesar da relevância, abandonada assim que surgisse a grande inovação tecnológica que cumpriria, supostamente, a função de unir o compromisso social com a urgência dos mercados? Não se tem resposta, mas depositamos nossa expectativa nas lideranças, não somente as de cargos oficiais, que fique claro. O que precisa ser discutido não é o conceito de liderança ou a legitimidade dos títulos, mas sim, defendo, o que torna possível apontar os caminhos, conhecendo os fatores em jogo. No fim, é isso: tome boas decisões, a todo momento. Mas errar é humano, e robôs não podem ser juízes, apesar de o princípio lógico parecer falho para pessoas, sem exagero, idiotas. Ninguém é perfeito, mas a sociedade exige — não apenas boas decisões, mas contribuições diversas, o que inclui, apesar de parecer pouco importante para alguns setores, a produção artística. Freud explica (em 1930): “apenas através da influência de indivíduos exemplares que as massas reconheçam como seus líderes é que elas podem ser movidas ao trabalho e às renúncias de que depende a continuidade da cultura. Tudo anda bem se esses líderes forem pessoas dotadas de uma compreensão superior acerca das necessidades da vida e tenham se resolvido a dominar seus próprios desejos impulsionais. Mas há o risco de que, para não perder sua influência, façam mais concessões à massa do que esta a eles, e por isso parece necessário que disponham de poder que lhes permita ser independente dela”.

É legal não esquecer que o maluco era alemão. Mas de qualquer forma, não acho que a cultura tenha um efeito negativo, à medida que as tradições pedem mudança e o sentimento coletivo, tantas vezes resultante em situações de negação dos privilégios das minorias (a aversão ao poder, mas também à concessão de direitos básicos, por quem o detém) mova uma grande máquina de manutenção do famoso status quo e legitime uma renúncia à satisfação dos impulsos, e devo dizer que não tenho conhecimentos profundos sobre o pensamento lacaniano; mas falamos de cultura digital, e alguns pontos da nossa história não parecem estar bem esclarecidos. Mas apesar do pedantismo inevitável (costumo falar com muito menos autoridade que isso, e tenho plena consciência do quão facilmente ela pode ser contestada e mesmo ridicularizada por uma esperança distante de passar boa impressão, além da prática do autor), penso que é importante voltar à questão educacional. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente define: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Artigo Quarto, procura lá (sou apenas um blogueiro desempregado). Mas veja bem: desde quando a Lei é cumprida? Se fosse, isso não precisaria ter sido proposto dois anos após a Constituição Federal: alguém percebeu que faltou alguma coisa, sabe? Pense no problema em propor soluções para a era digital: só nas violações aos itens respeito e dignidade, já teria muita gente na cadeia; mas tem também o lazer. E sabe quem cuida disso? A publicidade. Querem discutir o item profissionalização, ou querem a minha história pessoal sobre o aplicativo Facebook Workplace?

Nem sempre a rebeldia se justifica. Mas só você pode chegar a essa conclusão, se o ponto é ter um aprendizado efetivo e edificador. Entre crises de sentimentos coletivos, combatividade sem propósito maior, escassez de recursos e ideias, marginalização socioeconômica e trilhões imaginários circulando entre os homens selecionados pela rede Bloomberg, a mais sincera contribuição que eu posso trazer para o debate, sabendo que vou ser contestado sem perdão, é o quanto eu acredito na maneira de pensar do tal do britânico: “a competição é negativa não só como fato educacional mas também como ideal a ser apresentado aos jovens. O mundo não precisa de competição, mas de organização e cooperação; toda crença na utilidade da competição se tornou um anacronismo. Mesmo se a competição fosse útil, não é, em si, admirável, já que as emoções às quais está relacionada são as de hostilidade e implacabilidade.”

Cultura digital e o lugar da educação: pensamentos transitórios

Uma das palavras mais evitadas por setores do conservadorismo secular, aquele que se entende morfologicamente por correlato à tradição voltada à preservação de bens, posições de poder e moralismo ontológico, é a tal da cultura. Não se trata de uma combinação infeliz de adjetivações aleatórias, como alguns escritores podem ter ouvido ao longo da carreira, seja em berros com observações contundentes na rua próxima ao lar agraciado por resquícios de conforto, seja na transposição do espaço público do nosso tempo, que se dá nas tipificações discursivas dos recursos eletrônicos. Conservador é aquele que conserva; mas como adquiriu? Cabe discussão, em outros setores que não aqueles que se utilizam das palavras-chave do antagonismo ou defesa de princípios ideológicos simplesmente para traçar linhas de separação e fazer escola com ou sem ferramentas analíticas, o que se traduz, também, em poder e moralismo; mas o cenário atual remete a uma pergunta mais profunda do que moral ou poder: temos ideologia, considerando os esforços pelo apagamento das reflexões históricas e obsessão dos estilos de vida presentes em constante, esvaziados do temor consequente, concentrados no último instante da experiência consciente, em momentariedades auto-suficientes, traduzidas num ethos erroneamente apropriado em que nada parece ter valor além do abandono da coletividade de embasamento em favor da vontade alienadamente séquita?

São muitos os que perdem de vista o sintomático para trazer novas menções às quase institucionalizadas matrizes do mundo tecnológico para explicar como vivemos, longe da utopia harmoniosa, produtiva, inspiradora, e cada vez mais familiarizando-se com uma ignobilidade permeada de cinismo, com a banalização da atratividade comunicativa, com o sentimento inerente ao espírito moderno que se dissipou em um processo incógnito de perda automatizada de relevância em todos os níveis. O grande erro pode ter sido a abordagem: quem disse que as gerações posteriores à de docência escrivã gostariam de ouvir falar em uma simulação de xadrez com máquinas? Estamos na era do apelo visual e dos processos cognitivos não revelados, da experimentação estética ao custo de reputações familiares, da insignificância dos termos concretos de despesas obrigatórias transferidos à amplificação do primeiro argumento carregado de uma pitada patética de humor nas inclassificáveis redes sociais. Será que não erramos no termo? Ou terá sido o caso de havermos indicado os mestres da publicidade e propaganda para vender conceitos de segurança, liberdade e respeito enquanto se esquematizava o futuro minimamente afetado das classes mais abastadas ao custo de uma impressão racionável de padronização da justiça, de um movimento natural da economia dos sentimentos e motivações, do exagero nunca exposto da balança ulterior que já produzia nos antigos o discernimento de que o comum e o extraordinário são responsabilidades de entidades diversas, ao passo em que o mísero conceito de felicidade transita entre os poderosos com audácia equivalente ao mais hipócrita dos demônios?

Tudo transita, mas os navios e seus tripulantes condensam a delonga das negociações de escritório em poemas nunca lidos, enquanto os jovens promissores enxergam uma falha na rede como o fim dos tempos, classificando-os em milhares de movimentos irreconhecíveis para si, embora devidamente mapeados pelas agências digitais, nunca concomitantes às colheitas que aguardam a natureza dar respostas que desafiem o espírito idiota do humano destrutivo e marcadamente avesso à narrativa conciliadora, contrastivo aos frutos que hão de se colher na megalópole. Chegamos ao ponto de agregar a comercialização do sexo ao funcionamento indissociável da sociedade dos dados e trazer em contrapartida um dispensar conformista a temas como a urgência da fome alegando uma disparidade de caráter invisível aos locais; acusamos pensadores em distúrbio de progressistas mancos; abandonamos a escala geográfica ao mesmo tempo em que traçamos grandes metas de polarização, sem avaliar a complexidade dos rituais, da diversidade étnico-linguística e abraçando a bandeira dos tabus para legitimar as piores atitudes do cidadão.

É possível pensar o futuro da educação pública brasileira, em meio a problemas de desenvolvimento tão centrais e estarrecedores? Onde existe desenvolvimento equiparável aos níveis internacionais, será que é justo trazer à prática das salas de aula uma justaposição ao ritmo da competitividade de mercado que faz dos anúncios uma prévia do que pessoas reais buscarão como realidade e luta diária, ao incorporar suas identidades, todas passíveis de controle e molde, ao sistema global de predadores sociais travestidos de habilidosos precursores da inovação e das soluções de conflito, nunca confundindo generalizações benéficas com flertes anti-democráticos? Devemos explicações, e quando houver honestidade nas respostas às imposições da era da conectividade, a próxima transformação estará em curso para dissipar o foco das nossas atenções e minimizar a problemática da exclusão, mais uma vez.