Eu escrevo bastante sobre cultura digital. Tenho longos desenvolvimentos de teorias sobre as redes sociais, considerações sobre sua história, dados estatísticos tirados de um site aqui, outro ali; mas a tal da participação, que deveria promover, faço pouco. Falo, de fato, de muitas experiências minhas e do conceito de participação na vida estrangeira, mas são comentários superficiais ou muito pouco claros, remetendo a histórias complexas e que deveriam ser pessoais. Um erro de estratégia? Não sei. Como aponto na homepage do site (estão aí dois estrangeirismos, um deles já muito integrado à nossa vida), as redes sociais estão mudando. Ou seja: as histórias pessoais se tornaram, conforme já apontei quando falei sobre a monetização das conversas privadas, que foi decisão corporativa e teve medidas jurídicas, parte de uma nova hierarquização da internet. O que interessa falar sobre é, de repente, o que todos falam, apesar de sempre ter sido dessa forma; a diferença é que há uma complexidade nas interações e nas referências que são trocadas que só se intensifica, e se não incentivarmos a troca cultural, não incentivamos nada. Como abordo também, isso abre caminho para rotas perigosas, lidando com robôs e tipos de scams que não desejamos lidar (e poderia falar sobre coisas pessoais, mas não é o caso).
A possibilidade de fazer laços de amizade, de ter um flerte, de falar da mesma coisa, de encontrar alguém com os mesmo interesses, só faz crescer a vontade de participar do mundo conectado, mas o mundo mesmo: não é o bairro vizinho, é o país lá do outro lado do planeta. E assim caminhamos, mas sem bases para que possamos conversar mesmo, trocar ideia numa boa, com pessoas que não vão interagir com agressividade, malícia, más intenções ou mau comportamento em relação a nós, ficamos um pouco sem rumo. Como isso tudo vai fazer sentido? E se eu tiver, de fato, uma amiga da Suécia e outra do Camboja, mas não souber conversar sobre nada com elas? E se o menino que eu conheci num jogo parece ser gente fina, mas o maluquinho indiano que me adicionou não tem nada a ver comigo, e não vale a pena investir meu tempo nisso? Como administrar essa nova rede de contatos? Estamos no micro (fazemos isso com Tinder, etc), mas precisamos ir ao macro. E para muitos, isso envolve seguir uma empresa nas redes sociais, participar das discussões sobre um assunto levantado num painel ou no noticiário. E aí?
Eu fiz uma lista que considero razoável, com uma abordagem humanística, e esclarecendo pontos em comum das diversas gerações que interagem na web, não sem pontos de fricção. Espero que as reflexões lhe ajudem. Afinal, quais são os erros comuns no contato com o estrangeiro? Vejo muito os seguintes:
1. Criar expectativas de uma longa amizade
Muitos dos nossos contatos duram menos de um segundo, ou alguns. São pessoas que cruzam o nosso caminho, e nunca mais vemos. São todas aquelas pessoas da seção de comentários, das lives, dos streams, que clicaram no nosso perfil, que curtiram nossas fotos ou seguiram, que ligaram a webcam, que enviaram um pedido de amizade mas não aceitamos por não conhecer, que deram like numa postagem que ganhou notoriedade, mas também são as pessoas que ouvimos falar sobre, que procuramos mas não tivemos coragem de adicionar, que até demos um like, mas não puxamos assunto, que apareceram num aplicativo. É meio babaca, mas existe uma coisa chamada lei da oferta e da procura. Isso é tão babaca que teve empresa que se apropriou disso pra tentar remodelar a web, exemplo do aplicativo Plenty of Fish (no mar tem muito peixe, mas até aí não te contaram do tubarão). As pessoas vêm e vão. É difícil quando elas vão, né? Mas precisamos ter em mente que, por quaisquer que sejam os motivos, elas têm o direito de recomeçar e tentar uma nova estratégia pra chegar onde querem chegar, porque nunca foi simplesmente sobre uma nova conexão. Novamente, há uma necessidade de se pensar o macro. Mas os contatinhos, como se apelida aqui no Brasil, são muito legais de se ter. Não julguem, façam mais.
2. Esperar uma zona amigável em que ninguém julga ninguém
O julgamento é imediato. Pessoas carregam concepções consigo, e reproduzem não só a maneira de pensar de um grupo ou delas próprias, mas também seu estado emocional, que pode ser temporário, mas tem o potencial de estragar o dia de uma pessoa. O bom é que, às vezes, o que acontece é justamente o contrário: você ganha um elogio, alguém faz uma piada, e a coisa fica legal. Mas nem sempre é assim, não. São mais interações não desejadas do que desejadas, via de regra. Portanto, saber que nem sempre o humor daquela pessoa que você está conhecendo (e por favor, permita a ambos terem o espaço para que isso de fato aconteça) vai bater bem com o seu, naquele momento, naquele espaço. Preconceitos existem, coisas que ouvimos falar são reais, e a abordagem que vemos na mídia tradicional omite o linguajar por conveniência. É como se abríssemos uma caixa de pandora, ao revelar o teor do que enfrentamos nas redes. Mas ao navegar a rede (e digo isso com o risco de parecer ter 30 anos a mais do que tenho), lembre-se de reforçar a positividade para que assim seja com você também.
3. Avançar em comentários de flerte
É, realmente não dá pra ficar só olhando a menina rebolando. Não sei o que as meninas fazem, e isso parece ser um grande tabu. São menos meninas, que eu saiba, falando sobre as qualidades do menino, ou do homem, que atraem ou despertam desinteresse. Inclusive, quem faz isso parece que consegue um resultado legal nas redes (expondo relatos e conversas por completo), mas não necessariamente isso as transforma em serem humanos mais humanos. É a coisa mais legal da internet, talvez, saber que alguém tá procurando por você, e que é um desejo físico. Quando isso é satisfeito, é gostoso demais; só que não dá pra esperar isso de todo mundo, e convenhamos: tem hora que cansa, demais. Inclusive, homens e mulheres se cansam, e não tem nada a ver com sexo físico: um assunto pode se esgotar, um interesse pode mudar, uma preferência ou hábito. Achar que os perfis em redes sociais são indicadores de que estamos todos flertando com todos é a receita de uma grave crise de saúde pública (mas isso, claro, tá longe de ser mais uma teoria da conspiração). A propósito, quem faz isso profissionalmente, vale lembrar, tem que revelar uma série de coisas sobre si, e pode não ser nada agradável ter que lidar com mais uma camada de invasão de privacidade. Só não deixe de flertar. Inclusive, é legal entre amizades, se for de bom tom (como dizia aquele meme) e uma coisa saudável. Não chegue pra sua amiga de 5 anos e fale “olha os peito dessa mina, meu” na frente do namorado dela, logo depois de os dois terem discutido sobre o futuro do trabalho de cada um e se iriam continuar morando juntos. Aí não é legal. Também não vale falar que nem um anjo com aquele contato que você respeita e, no instante que a pessoa posta uma foto provocativa, mandar a sua genitália. Calma, colega. Que isso.
4. Manter contato, mas nunca conversar sobre nada
A gente tenta expandir as conexões, mas manter as conexões acaba sendo mais difícil. Você adiciona, mas depois tem que dar bom dia. E isso se repete. Tudo tem limite. Peraí. Bom, não é bem assim que a gente toma nossas decisões em relação ao grau de intimidade que a gente tem com o outro, mas tudo bem você chegar pra uma pessoa que conheceu ontem e falar sobre a doença na família, o desemprego, o seu psicológico ou relacionamento. Tem gente que vai contra. Mas quem era pra conversar com você está disponível, naquele momento? Se a resposta for não, porque não se jogar? Não gosto muito dessa expressão, mas é bem por aí: temos que saber aproveitar uma oportunidade, e às vezes cansa testar a durabilidade das coisas em todos os momentos presenciais. Eu quero saber se os meus amigos falam bem de mim quando não estou presente, o que não significa que vou xeretar nas conversas de outras pessoas (até porque nem sei fazer essas coisas), mas sentir que tá tudo legal entre a gente. E a gente vai fortalecendo as relações na construção de novos pilares. Eu posso não gostar de falar sobre política com algum dos meus contatos, mas me entender muito bem com outros. Se não for o caso, pode ser música. Pode ser relacionamento. Pode ser cultura. Eu posso ter um melhor amigo que faz piada com português e uma amiga de fora que mora na Europa e sabe como que o português é tratado e trata as pessoas. Não vale a pena ouvir os dois?
5. Se apaixonar, mas nunca considerar a vida e a rotina da outra pessoa
Volta e meia, acontece: você acha que aquela pessoa é quem te entende de verdade. Os outros não percebem nada do que você fala, como você se sente, o que já passou (pois nunca nem perguntaram) e também nunca chegaram no ponto em que querem vivenciar algo com você, mesmo que seja só ali, na tela. Isso pode ir longe, mas também pode ir longe demais. Se o que acontece na tela é mais importante do que o que a pessoa expressa, temos um problema. Se a logística parece uma coisa de outro mundo, idem. Esperar demais, não ter resposta, não ter confirmação, trabalhar sempre na indireta, nas entrelinhas, com respostas a perguntas que deveriam ser claras, mas não convencem: quando alguém se revela pra você, tem que ser de corpo e alma. É fácil ter uma relação de corpo: é só ligar a câmera. A conexão entre duas pessoas vai muito, mas muito além disso. É ouvir, é respeitar, é se preocupar, é planejar, é pensar, é falar diferente, é ser atencioso aos detalhes, é o que fica na memória e no coração. Não é o que acontece quando uma pessoa tem um orgasmo. Também não vale desligar a chamada e achar que acabou. A vida continua, mas e aí? Que vida é essa? Você conta pra pessoa o que você vai fazer? A conversa continua? Rola um “me manda mensagem quando chegar em casa”? Se não, veja que pode haver desinteresse.
6. Não procurar entender o contexto do país onde mora a pessoa
Além das coisas da vida diária, existe todo um contexto em volta da pessoa com quem você interage, da forma que for, que conta muito quando vocês conversam. Ela fala de um hotel ou de uma favela? Ela te achou porque uma amiga desafiou ela a baixar o aplicativo, ou ela trabalha com redes sociais, é jornalista e está coletando amostras e depoimentos de pessoas de uma faixa etária ou localização geográfica? O posicionamento dessa pessoa lhe agradou? Você procura o que com esse relacionamento? Já foram postos a prova tanto a identidade real da pessoa quanto a intenção real? E se ela nem existir, rapaz? Vai cair nessa, de novo? Mais do que golpes digitais, são comuns sentimentos de que é difícil confiar em quem a gente nunca viu, mas ao mesmo tempo, somos seduzidos por essa ideia: a ideia do diferente, do contexto de vida alternativo, da opção, do útil e agradável; até você ter de lidar com a sua própria rotina. O país pode estar tomando uma grande decisão, e falta o seu posicionamento; mas você decidiu que era o caso de ficar compartilhando memes de tartaruga com a pessoa especial. E as suas amizades daqui? Como vão reagir? Você inverteu as prioridades ou elas foram invertidas, e agora você tem o poder de voltar a ter controle da própria história? São perigosos alguns debates online, sobre pensamentos ou posicionamentos que não agradam à maioria, mas devem ser feitos. Só não é o caso de perguntar pra uma saudita se ela tá a fim de mostrar os peitinhos, pelo amor de Deus, cara. E meninas, no Brasil tem macaco sim. Também tem oficina mecânica, e inclusive tem uns caras que tiveram uma ideia de colocar umas cordas e… enfim, deixa pra lá.
7. Não se interessar pelo aperfeiçoamento da linguagem
Na interação online, hoje, o que conta é espontaneidade. São muitos os que já sabem sua identidade completa ao tempo da primeira interação, por meio de aplicativos. Outros sabem como manipular programas para buscarem os contatos que querem, e o que querem deles. Mas no momento do encontro, você não pode demorar muito para responder. E aí, tem que ser na lata. Se ficar falando sobre a vida, é chato. Mas tem muita gente procurando isso aí mesmo. É só saber dosar, e ser consciente das suas escolhas, que não podem se repetir no dia seguinte caso você chegue à conclusão que foram erradas. Dois dias depois, tudo bem. No dia seguinte? Pô, cara. Acorda. Mas além das questões de uso, a linguagem mesmo deve ser precisa, e a internet é um lar para a imprecisão. São muitas coisas acontecendo, e a linguagem acompanha essa tendência. A forma com que novas terminologias e hábitos são formados à medida que as conversas vão se formando e acontecendo é meio que alucinante; mas devemos ser sóbrios. Tudo bem perguntar “como vai” ou “que horas são”. Só saiba o que dizer. “Pô, por aqui tá legal, só aconteceu uma coisa meio chata hoje”. E aí, é assim que você fala? É isso que você quer falar? É sobre isso que a outra pessoa quer falar? Em todo caso, um dos modos de se expressar isso (além do “how are you” e do “what time is it”) seria: “Well, it’s all good, just this thing that happened today that’s bugging me”. E aí você recebe um mágico: “quer falar sobre isso?” ou “wanna talk about it?” É quase uma terapia. E quem disse que não era? Como diz o meme da NASA: always has been.
8. Confiar em um curso para te preparar para a vida
Não existe fórmula mágica, apesar de eu ter acabado de falar em mágica. Abordam-se situações, exploram-se aspectos da língua em termos de gramática, de vocabulário ou mesmo de pronúncia que podem fazer uma diferença enorme na sua preparação; mas se trata de preparação, não ação. A ação quem toma é você. O resultado você pode buscar com auxílio, trazendo suas questões para teachers ou procurando por aí. Mas no mundo de hoje, com as demandas de hoje, ninguém vai te falar como viver a vida, e sabendo que muito da nossa vida se passa na internet, não faz o menor sentido dizer isso. O que podemos fazer é dar indicações, e você pode ou não segui-las. Como diria um antigo apresentador de TV, é por sua conta e risco.
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