A primeira rede social popularizada no Brasil, em tempos onde mal havia cobertura de rede e número expressivo de usuários online, apesar do engano de interpretação dos dados (muitos se registraram, mas isso não significa que usavam a rede com frequência, principalmente nos padrões de hoje), foi o Orkut — ressalte-se: criado por um empreendedor turco de mesmo nome. Pouco se fala sobre as lan-houses, que proporcionaram o fenômeno da inclusão digital; menos ainda sobre como se deu esse dito “fenômeno”: era tudo muito novo, e uma imagem do seu rosto visualizada por um grupo de pessoas maior do que aquelas da sua convivência, ou mesmo aquele determinado círculo, com o detalhe de estarem agora sozinhos na frente de um computador (com a exceção das lan-houses, é claro), foi a grande virada. O Fotolog também se popularizou, mas o Orkut fez discussões virem à tona; foi uma primeira demonstração de como as pessoas pensavam e se comportavam; não apenas no ambiente virtual, quaisquer fossem as condições sociais, mas também numa análise de como os outros reagiam e se esforçavam ou não para debater abertamente, respeitosamente, e por aí vai. O número das “comunidades” crescia, assim como a interação, ou engajamento, mas com tópicos ora supérfluos, ora duvidosos ou simplesmente suspeitos; mas também se observavam ferramentas testadas de utilidade questionável, como a exibição dos perfis que visitaram a sua página, alimentando o comportamento que chamamos de “stalking”, ou “perseguição digital” — o que hoje é crime — e aplicativos claramente voltados para faixas etárias que mal poderiam estar na rede, como aqueles joguinhos que eram acoplados à página de perfil (uma matéria do Olhar Digital explica que a idade mínima é 13 anos, mas a questão da supervisão é bem mais complexa, como aponta o Canal Tech), e esses jogos voltaram a entrar em destaque dentre os esforços para gerar lucro dentro do Facebook, o que acabou em processos por uso indevido de dados (entre outros casos maiores, que fizeram a empresa pagar 5 bilhões de dólares em multa), alguns deles antes de se regular a proteção por meio da chamada GDPR (aqui no Brasil, a LGPD, aprovada em atraso por absoluta incompetência e uma bela dose de má-fé). Já se falou muito sobre esses casos, mas o próprio Google dá a opção de se cadastrar no aplicativo específico para jogos, e não sabemos como isso influencia a segurança do usuário; mas se sabe que são 5 bilhões (eu não acabei de escrever esse número?) de downloads e o CEO quer que jogos continuem sendo um dos nortes da experiência de usuário.
Mas são tantos de nós que não dão a mínima para joguinhos, nunca clicariam num deles (principalmente depois dos casos de vazamento de dados) e querem interagir com pessoas e fortalecer a rede de contatos e influência! Não é mais tempo de Orkut, nem de Facebook. Entretanto, o Instagram aposta em anúncios como nunca (em 2019, foram 20 bilhões de dólares em lucro através dos anunciantes), e não existe, por design, um aplicativo que bloqueie anúncios no celular — eu verifiquei, e a única opção, isso lá em 2014, era o aplicativo russo AdGuard). Assimilamos, então, a presença do marketing como algo natural. Mas isso não é um desenvolvimento de mídia ou comunicação; na verdade, trata-se de um déficit na educação de jovens para que possam ter experiências onde suas vidas não sejam transformadas em produto; e aqui, digo “déficit” pois nada disso foi proposto na educação, com um debate crítico sobre tecnologias e a cultura tech, que é basicamente o ponto central da proposta deste blog. Empresas gigantescas como o Google vão empurrar anúncios pois ganham muito dinheiro de seus anunciantes; não são apenas pessoas preocupadas com o nosso bem-estar, volumosas almas bondosas e caridosas, cuidando de nós enquanto passamos tempo olhando para a tela; na verdade, se formos novamente falar no consumo e do hábito, sem filtros, vamos chegar à constatação de que o fator monetização é mais complicado do que se imagina para adultos, e entre senhas salvas e falta de autenticação em duas etapas, estamos com nossas informações em risco, na mão de anunciantes com ferramentas de busca de clientes, que podem ou não fazer mau uso desses dados. No caso de grandes coorporações e de governos, isso é feito muito cuidadosamente, e diga-se de passagem, faltam investigações.
Mas como vamos conversar, então? Não se usa mais aquela plataforma, não se fala mais daquele jeito… o que restou? Restou, argumento, o desejo de falar com alguém confortavelmente, sozinho, mas em companhia. As videochamadas não são monetizadas, a não ser que você acesse um site adulto e pague as tokens (quer saber mais? Leia esse artigo e veja o link sobre Wire Transfers). Evidentemente, não queremos conversar com uma pessoa que tem, como é o caso de muita gente que faz parte dessa cultura ou subcultura de streaming, 10 mil usuários logados assistindo — e mesmo que a conversa seja informal, como é o caso dos podcasts que chegam a um milhão de visualizações ao vivo, certamente não vamos ter uma conversa com os participantes. Será que foi pra isso que nos inscrevemos em redes sociais? Conversar com gente bonita e famosa? Ou será que ainda nos importamos com os interesses e projetos de vida de cada um, com a sua história, com seus traços, com o que têm a dizer, e podemos construir relacionamentos de valor ou mesmo um flerte bacana? Poderia me estender sobre esse último ponto, mas tenho uma noção de ética e também de jurisprudência, para o azar dos haters.
O que vejo é que o streaming se transformou em algo a mais. Hoje, posso compartilhar minha experiência online completa com alguém: basta habilitar o compartilhamento de tela. Mas isso foi uma ferramenta desenvolvida lá atrás. O Skype experimentou com isso, muito antes do Google Meet ou mesmo do Zoom, dentre outros sites que permitem o mesmo, e ainda a exibição em tela de um vídeo do YouTube (mas que pode ser de outro site) enquanto as pessoas interagem. Isso dá pano pra manga no debate pedagógico… e já citei o Whereby no Twitter, mas não sei se muitas das minhas ideias podem ser realmente postas em prática. Por quê? Porque está tudo no ar. Desde que o Snapchat lançou seu modelo, com mensagens que desapareciam, foram surgindo debates acerca da maior segurança do usuário. Podem me odiar o quanto quiserem, mas o Snap é a plataforma que mais coloca em risco justamente quem está mais em risco por natureza: o público jovem. Acesso à localização exata em tempo real, email e senha passíveis de serem hackeadas, robôs, fakes e outros tipos de inconveniências: tudo isso foi mais ou menos naturalizado, mas o combate se deu de baixo pra cima, não de cima pra baixo — o que pode não ser um mau sinal, mas indica, de fato, que demoraram a agir para proporcionar uma experiência mais segura. Se o aplicativo foi criado para enfatizar privacidade — o grande atrativo — e a resposta foi um zilhão de capturas de tela, então ninguém realmente respeita privacidadde coisa nenhuma, e tá tudo errado. Mas foi assim que este que escreve foi banido do app — e também, é claro, por falar abertamente que o patrocínio do futebol e de jogos (parece que tenho um problema com esse nicho, hein?) beirava ao absurdo.
Hoje, não estamos mais nas lan-houses. Cada um com a sua situação social, 90% dos domicílios têm banda larga no Brasil, mas é importante dizer que são 42% de computadores, um número muito baixo (paga-se pelo combo de internet e TV, mas o celular é mais barato do que um desktop ou laptop). E o que buscamos? Dentre os 500 milhões de usuários do Tinder, dado de 2021, uma boa parcela é brasileira. Mas não se abandonam os outros aplicativos. Procuramos emprego, mas também queremos memes. Buscamos informações, mas queremos postar fotos no espelho. Não julgamos tanto… mas ô se julgamos. E parece que o Snapchat acertou sim: queremos privacidade. Nesse processo, nos fechamos na nossa bolha. Mesmo no WhatsApp, o aplicativo que promete criptografia de ponta-a-ponta (para que ninguém possa ler suas mensagens), ficamos com poucas pessoas na nossa lista de contatos com quem falamos mais frequentemente, e daí, quando acaba o assunto, vamos procurar outras. Queremos expandir nossas possibilidades. Veja, o Facebook conseguiu conectar quase 3 bilhões de pessoas. Podemos conhecer muita gente! Mas vamos usar o Facebook pra isso? E a privacidade?
Entramos, então, num círculo vicioso, onde buscamos novos contatos, e esquecemos da nossa própria identidade, abdicando dela para que seja possível ter uma nova (ou melhor, para que não se perca de vista que temos direito de procurar pessoas para conversar sem que ninguém nos note e sem a perturbação dos anunciantes). Não são contas “fake”, mas sim tentativas de falar com gente nova fugindo da inseguridade da possível divulgação das nossas informações. É fácil descobrir onde alguém mora, com recursos. Hoje, temos reconhecimento facial; os bancos usam biometria, inclusive a fintech, tudo pelo celular. O Snapchat, novamente, faz um escaneamento do seu rosto e o transforma no que chamam de “bitmoji”, uma versão caricata que você pode vestir do jeito que quiser — até que queira despir, e encontre a grande inconsistência da política de uso e privacidade da empresa, que não é nada boba, mas poderia ter um pouquinho de vergonha na cara e tomar um belo de um processo federal, assim como aconteceu com o Facebook. Ferramentas que esta última rede tinha nos primórdios foram desabilitadas (atividade dos usuários em tempo real numa aba lateral, ou no aplicativo do Instagram; alertas da localização em tempo real dos usuários, embora alguns ainda usem o check-in). Mas não estamos muito preocupados com o que nossos amigos pensam disso tudo, e sim os anunciantes, que detém nossos dados. A não ser que seja o contrário.
Se no Snapchat as mensagens desapareciam, hoje, nossos amigos resolveram desaparecer. Têm mais o que fazer: não pergunte detalhes, mas estão “na correria, né?” — e dizemos entender, que também “tá foda”, etc. Mas pouco se conversa sobre a vida digital, mesmo entre próximos. Isso já é um problema na família, e parece ser entre amizades também. Imagine então que o algoritmo do Instagram sugira que você siga uma pessoa. Mesmo com as configurações especificamente desabilidas para a sincronização de contatos, você acha uma pessoa, outra, mais outra… e descobre que elas se conhecem. Mas aí já é tarde: você comentou nas fotos, e elas leram. E ainda é uma conta anônima, com outra identidade. Qual vai ser a conversa? Será que elas se importam em discutir isso? O quão longe vai essa conversa? E aí, de repente, você procura outras fontes: os reels, o explore. Dá like em algumas das muitas ofertas de conteúdo — que são nada mais do que isso: 1) ofertas; 2) conteúdo. Não são pessoas que você vai conhecer; elas já têm mais de 50 mil seguidores. Ficou maluco? Nunca vão falar com você. Mas de repente você encontra alguém que tem uns 20, 30. E de repente, o algoritmo sugere sua tia. É assim que os amigos vão embora: nessa busca fútil e contrária aos seus princípios; tola, desmedida e absolutamente improdutiva, o tempo passa, e os que têm empregos fazem o serviço e depois se dedicam a tarefas simples. Nos aplicativos, postam o necessário, visualizam o possível. Mas não têm tempo para procurar outras identidades e aventuras, como você. Lhe abandonam, porque você ainda se comporta como um jovem. Mas o detalhe, cuja importância merece um livro, é que não entendem o contexto de fora, de tantas das pessoas que você conheceu e contou tudo sobre o que você sentia por alguém, o que aconteceu contigo, e que suas amizades nem ficaram sabendo. Depois, voltam falando: “e aí”; “foi mal, só vi agora”. E fica a dúvida: faziam o mesmo ou verificavam o que os outros, incluindo você, faziam? Nunca vamos ter essa resposta, pois interagimos com muita gente. E assim andamos em círculos… com momentos mínimos de satisfação e um potencial destruidor para a nossa saúde mental — sem que as empresas e seus investidores paguem por isso.